Por Rafael Silva
Diante da atual divulgação de alguns dos muitos e velhos
esquemas de corrupção entre o Estado e as grandes empreiteiras tupiniquins, que
outra coisa não são senão a estrutura criminosa instituída para distribuir
propinas astronômicas –leia-se o dinheiro do povo – a uma porção de políticos e
empresários não menos corrompidos, fica cada vez mais difícil engolir a mentira
de que o Estado está aí para servir o povo.
Aliás, o que vemos hoje com o golpe de estado dado pelo PMDB
e pelo PSDB é justamente a proteção e a manutenção espetacular dessa estrutura
político-econômica corrompida.
E os golpistas ainda têm a desfaçatez de chamar o golpe que
deram na democracia brasileira de “Ponte para o futuro”. Só mesmo muita
alienação para não ver que essa “ponte”, na verdade, é um tobogã oligárquico,
imposto de modo antidemocrático, para retrazer sistematicamente os vícios do
passado ao presente, uma vez que o passado viciado é precisamente o espaço de
mobilidade excelente das oligarquias.
Entretanto, nem tudo está perdido. O povo, esse corpo
manipulado e vilipendiado pelo Estado e sua corja corrupta, deu um belo exemplo
de como a realidade pode funcionar melhor sem a intervenção e a exploração
estatais. No Rio de Janeiro, mais especificamente na cidade de Barra Mansa, a
população não só idealizou, como também realizou o que devemos chamar de uma
verdadeira Ponte para o futuro.
Os moradores barra-mensenses dos bairros de São Luiz e Nova
Esperança, há duas décadas solicitando a construção de uma ponte que ligasse os
dois bairros, sem no entanto serem atendidos, juntaram dinheiro eles mesmos
para que sua ponte finalmente fosse erguida. A imagem que ilustra este texto é
a da ponte em questão. Mas o que é realmente impressionante nesse ato popular é
que a estrutura, que de acordo com o Estado custaria R$270 mil, nas mãos do
povo saiu pela bagatela de R$5 mil.
Importantíssimo aqui é frisar que o custo da ponte orçada
pelo Estado ficaria 5.400% mais cara do que a realizada pelos moradores de
Barra Mansa. E esse astronômico superfaturamento estatal outra coisa não diz do
custo, ao povo, que é a manutenção do velho esquema corrupto entre Estado e
empreiteiras. No exemplo fluminense, se a ponte real custou 5 mil, temos que,
dos 270 mil orçados pelo Estado, 265 mil servem apenas a interesses não
populares. Não precisaríamos nem das atuais crises econômica e política para
lançar a seguinte pergunta: não viveríamos melhor sem a descarada exploração do
Estado?
Não podemos deixar de lembrar da ciclovia carioca que se
projetava sobre o mar da praia de São Conrado e que recentemente desabou,
pasmem, três meses depois de sua inauguração. A estrutura em forma de ponte,
mesmo tendo custado ao povo R$44 milhões, não atendeu à população. Muito pelo
contrário, dois dos cidadãos que pagaram por ela morreram na tragédia. E
aplicando o superfaturamento estatal da ponte de Barra Mansa à ciclovia da
capital, o custo real da estrutura estaria por volta de 800 mil. O que
significaria que mais de 43 milhões seriam tirados do povo para engordar os
bolsos oligárquicos de meia dúzia de políticos e empreiteiros.
Só que o caso da ciclovia carioca é mais cruel justamente
porque não se trata apenas de superfaturamento, mas de um roubo de estado cuja
cereja-podre-do-bolo foi um duplo assassinato. Os moradores barra-mansenses,
nas mãos do Estado, ficaram vinte anos sem poder atravessar o córrego que
separa os dois bairros. Já os cidadãos cariocas mortos no desabamento da
ciclovia, esse nada mais tem a esperar nem receber do Estado. E não é demais
dizer que o partido político que administra tanto a capital quanto o Estado do
Rio de Janeiro é o mesmo do golpe de estado brasileiro: o PMDB
E é esse o tipo de ponte que os golpistas da “Ponte para o
futuro” ou não dão à população -o caso de Barra Mansa -, ou, se dão, o fazem da
pior maneira possível –o caso da ciclovia carioca -, isto é, embolsando
criminosamente 98% do valor total, jogando no lixo os 2% reais usados na sua
construção, e ainda por cima colocando as vidas dos que pagaram pelo montante
superfaturado em risco. Novamente, para que precisamos de um Estado como esse?
Contra os crimes e a ineficiência do Estado na administração
dos interesses do povo, temos, por exemplo, o Orçamento Participativo (OP),
mecanismo governamental de democracia participativa que permite aos cidadãos
influenciar ou decidir sobre os orçamentos públicos, retirando-se assim o poder
de uma elite burocrática e repassando-o diretamente para a sociedade. Política
virtuosa, o OP foi adotado por várias cidades brasileiras. Sua origem, porém,
foi em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 1983, com o prefeito Bernardo de
Souza, paradoxalmente também do PMDB -que eu tive o estranho prazer de conhecer
pessoalmente apenas no seu enterro, em 2010.
Entretanto, a cada vez mais evidenciada corrupção da
estrutura política brasileira talvez exija um passo popular mais drástico que o
OP. Em vez de a população decidir a partir dos orçamentos estabelecidos pelo
Estado, todos tacitamente superfaturados pela ganância oligárquica, melhor
seria se cada indivíduo não mais deixasse a riqueza que produz sob administração
a priori do Estado para só a posteriori decidir, junto com seus pares, o que
fazer com essa riqueza. Algo como não esperar ser assaltado para só então
solicitar justiça e ressarcimento, mas, de princípio, não dar o ouro ao ladrão.
Anarquia? Do ponto de vista do Estado, certamente. Mas não
nos esqueçamos do que disse Marx, que o Estado moderno não é senão um comitê
administrativo dos negócios da classe burguesa. Da perspectiva do povo, o fim
do Estado, ou o que é o mesmo, o fim da ditadura das elites, seria a
oportunidade de a população gerir-se a si mesma, sem precisar da estrutura
política, corrompidíssima, que está em pé unicamente para defender os
interesses de um minoria historicamente favorecida.
A ponte barra-mansense porventura não é um monumento
anárquico? Em parte sim, mas não totalmente, afinal, aqueles cidadãos ainda
seguem pagando os não menos superfaturados impostos cobrados pelo Estado para,
entre outras explorações, deixá-los duas décadas sem a ponte de que tanto
careciam. Se não mais alimentassem o Estado usurpador com a riqueza que
produzem coletiva e cotidianamente, e usassem-na eles mesmos na resolução de
suas necessidades imediatas, suas vidas seriam mais prontamente e menos
superfaturadamente beneficiadas.
Anarquia virtuosa é o desabamento, não das pontes populares
obviamente, como a barra-mansense, que se mostrou mais viável, sólida e barata
dos que as produzidas pelo Estado, mas das velhas e oligárquicas “Pontes para o
futuro” estatais, que não se levantam contra o povo somente durante os golpes
de estado, como o atual brasileiro, mas, muito mais perniciosamente, no
dia-a-dia dessa besta burguesa e corrupta que é o Estado em si mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário