O Mercosul corre um sério risco de
tornar-se apenas uma via livre para a estratégia das multinacionais e seu
futuro depende do percurso político no Brasil.
Maria
Silvia Portela de Castro- socióloga, assessora sindical
Jacy
Afonso de Melo – bancário, ex-dirigente nacional da CUT e Secretario de
Formação da Federação dos Bancários do Centro Norte
A
tentativa de golpe no Brasil desencadeou um processo que ameaça gravemente a
democracia no Mercosul. Este teve inicio no Paraguay, em junho de 2012, quando
meteoricamente (24 horas) o Senado paraguaio regulou e aplicou a lei de
impeachment contra o Presidente Lugo. A reação dos demais sócios foi imediata e
dura: a suspensão da participação institucional do Paraguay até que houvesse a
normalização democrática. Posteriormente a situação do Paraguay foi
normalizada. Na Venezuela, que havia sido admitida no bloco, aumentaram as
ações de desestabilização agitação política da oposição para o governo
chavista, contando com apoio da mídia e figuras políticas dos Estados Unidos e
da Europa. Depois da morte de Chaves o quadro piorou significativamente.
Em
2014 cresce a campanha contra a corrupção no Brasil, desencadeada pela enorme
divulgação da operação lava jato capitaneada pela Justiça Federal no Paraná. Um
processo que vai de encontro com os anseios da sociedade contra a corrupção,
mas que se desenvolve através do uso freqüente da prisão como forma de forçar a
delação e do vazamento seletivo de informações, tendo sempre como principal
alvo o PT. Fica cada vez mais claro a judicialização da política e que a
bancada dos juízes e procuradores se alinhou a mídia conservadora para culpar o
PT por anos de corrupção e não permitir que esse partido siga governando o
país.
Na
Argentina o kichnerismo/esquerda perdeu as eleições, depois de uma enorme
campanha de mídia contra a presidente Cristina Kirchner, também acusada de
pratica de corrupção e um conflito também com instancias do judiciário (a morte
do promotor Alberto Nisman em 2015).
Não
são coincidências. Se na vida nada é por acaso, em política muito menos.
Na
primeira década do novo século, partidos desenvolvimentistas e de
centro-esquerda venceram eleições com o apoio de movimentos sociais e de alguns
setores empresariais, ocupavam simultaneamente os governos (sempre alternamos
nossos governos entre ditaduras e democracias). Vários pontos poderiam,
explicar porque dessa conjunção, mas não é esse o objetivo do artigo. Mas
provavelmente a esquerda ganhou os governos nos países mencionados devido a
falência das medidas neoliberais aplicadas a países que não vivam sob um estado
de bem estar social. A destruição do patrimônio publico e dos serviços sociais
aprofundou as desigualdades sociais.
Nesse
cenário, partidos como o PT e Frente Ampla do Uruguay, que há tempos vinham
crescendo na política ocuparam o espaço. Na Argentina a crise provocada pelo
período Menem desembocou numa grave crise política em 2001, que terminou com a
queda de De la Rua. A saída foi um governo transitório a cargo do velho
peronismo e a ameaça de vitoria de acabou precipitando uma virada a esquerda,
fortalecendo a candidatura Kirchner.
Até
2008, quando explodiu a crise financeira de Wall Street, os países do Mercosul,
comemoravam a redução da miséria e da desigualdade e ensaiavam através da
UNASUL e da CELAC a formação de um bloco político. Faltavam, no entanto bases
econômicas e interesses comerciais comuns para consolidar essa idéia.
Entre
as principais conquistas da UNASUL podemos citar a criação dos Conselhos de
Defesa Sul-Americano, Energético e de Infraestrutura e Planejamento. Mas a
UNASUL dificilmente avançará como bloco econômico, porque em seu interior
convivem dois blocos com modelos opostos de articulação comercial: o grupo do
Pacifico (parte da antiga CAN e mais o Chile) e o grupo do Mercosul. Os
compromissos assumidos pelo Chile, Colômbia e Peru, através dos TLCs com os EUA
e UE, impedem que seja compartilhado um acordo de comercio com uma união
aduaneira como o Mercosul.
Com
a descoberta do Pré-sal no Brasil o Mercosul passou a ser a terceira maior
reserva de petróleo no mundo. Se juntarmos esses fatos aos interesses do
governo estadunidense depois de setembro de 2001- de controle de fontes
energéticas e expansão de mercados – não estranharemos o crescimento do valor
estratégico do Mercosul para o hemisfério norte.
Esses
fatos se amplificam quando inseridos em um cenário de acirramento da crise
econômica e política, a partir de 2010. O governo Dilma Roussef demonstrou
pouco interesse em alavancar a integração comercial e política na região. Suas
parcas ações em matéria de política externa foram no plano multilateral (BRICS
principalmente). A Argentina por outro lado, entrou em uma estratégia
defensiva, adotando medidas protecionistas e provocando conflitos com os demais
sócios, inclusive o Brasil. Desde 2011 o processo de integração econômica e
comercial do Mercosul está estagnado. Um cenário que facilita o retrocesso que
está sendo anunciado, tanto pelo governo Macri, como principalmente pelo
Ministro de Relações Exteriores interino brasileiro, José Serra.
A
política de combate ao “terrorismo” efetivada pelo governo estadunidense nos
últimos 15 anos, resultou na eliminação de uma serie de direitos individuais e
justificou as invasões e ataques ao Iraque, Afeganistão e Líbia. Assim como o
desastre que vem ocorrendo na Síria. A União Europeia, enfrenta uma crise sem
proporções e a falência da social democracia dos anos 90 dá lugar a governos
conservadores, que alimentam o autoritarismo e a xenofobia. O tratamento a onde
de imigrantes não faz jus a um continente que lutou bravamente contra o
nazismo.
Para
a America Latina a tríade lançou como prioridade o combate a corrupção, como se
esse problema (que é realmente muito prejudicial) acusando os novos partidos
que ocuparam os governos como os mesmos corruptos de sempre. Não há dúvida que
houve erros graves nessas administrações, mas não são essas as causas da crise
atual. Assim como o combate ao terrorismo islâmico nos Estados Unidos e Europa,
a campanha de mídia e de incentivo a ações de massa contra a corrupção passou a
justificar quaisquer medidas, mesmo que autoritárias e ilegítimas, como o que
vem ocorrendo no Brasil, chegando ao absurdo de apoiar a ação golpista de um
grupo parlamentar corrupto e sem perfil político. O objetivo é preparar o
terreno para uma virada na política econômica e social e expandir a oferta de
mercado a vários grupos multinacionais. Para isso é preciso terminar com os
governos do PT e inviabilizar uma nova candidatura de Lula.
Concordando
com a análise do professor André Singer (debate “Caminhos da Esquerda frente ao
golpe” no dia 30/05/16 – USP), a Presidente Dilma, em seu segundo mandato,
tentou uma saída buscando aliar-se a burguesia industrial (redução das taxas de
juros dos bancos estatais, subsídios fiscais, apoio a investimentos e
exportações, etc), mas este segmento se mostrou desinteressado de um projeto de
soberania nacional que implicasse em um confronto mais sério com outras facções
do capital (externo e financeiro). Mais que isso, seus representantes políticos
cederam a pressão da mídia e aliaram-se ao judiciário e ao setor mais corrupto
do Legislativo para tirar o PT do governo. Com isso a grave crise econômica que
o Brasil atravessa resulta dos impactos da crise global, mas principalmente
pela paralisia imposta a economia do país por essas forças políticas. O caminho
esta aberto para o aprofundamento da internacionalização da economia
brasileira.
Os
setores industriais dinâmicos no Brasil estão em conglomerados liderados pelas
multinacionais (automóveis, alimentação, laboratório, etc); depois temos os
segmentos de infraestrutura em empresas estatais (como a Petrobras) e de
grandes Construtoras que cresceram a sombra das obras publicas. Um segmento que
se expandiu durante o regime militar (a quem o Professor Chico de Oliveira
chamou de “burguesia burocrática”). Essas empresas são parte importante das
chamadas “multilatinas e tem hegemonia na região e no governo Lula foram
definidos várias política de apoio para o investimento e comercio externo. No
processo da lava jato boa parte dessas empresas estão acusadas de corrupção e
paradas. Terão dificuldade para retomar seus investimentos.
Assim
muito provavelmente – por conseqüência dessa crise econômica e política que
vive o Brasil e das medidas privatistas e de diminuição do Estado que podem ser
adotadas - corre-se o serio risco de que esse setor deixe de existir e passe a
ser ocupado por empresas estadunidenses, chinesas, etc.
O Mercosul vai sobreviver?
Quando
o Tratado de Assunção foi negociado, Argentina e Brasil eram administrados por
governos liberais. Porque não se optou pelo modelo Nafta e sim pela criação de
um bloco comercial?
Provavelmente
o empresariado brasileiro só aceitou apoiar um Mercosul que tivesse uma tarifa
externa comum - TEC. O medo era que nossos vizinhos fizessem triangulação
comercial e as empresas brasileiras não suportassem a concorrência com
terceiros mercados. Principalmente a China. Apesar do empresariado industrial
pender pela aprovação da ALCA, o receio da competição com a indústria
estadunidense falou mais alto e o levou a aceitar silenciosamente o fim
das negociações em 2005.
Nos
últimos 10 anos, com a insistente desvalorização cambial, houve um forte crescimento das importações. Além disso, em
segmentos antes protecionistas como calçados e aviões, grandes empresas foram
para fora do país (América do Sul, África e China), visando a venda para o
mercado brasileiro. E principalmente no setor automobilístico houve mudanças na
estrutura da produção mundial e passou a ser interessante uma maior abertura
comercial.
Essas
mudanças não foram acompanhadas pelo aprofundamento da integração e nem pela
adoção de alguma estratégia comum. Os dois países menores nunca viram com satisfação
a limitação que lhes foi imposta pela TEC (comprar principalmente do Brasil) e
a Argentina, apesar das tentativas do período Kirchner não conseguiu retomar
sua industria, apoiando-se cada vez mais nas exportações do agro. Caminho que
que esta sendo trilhado pelo Brasil cada vez mais.
Desta
forma a permanência da Tarifa Externa Comum – TEC passou a ser incômoda para
alguns segmentos da industria brasileira. Nacão por acaso a FIESP é a maior
defensora da flexibilização do Mercosul e Serra seu principal portavoz.
Se
perdurar essa política dos governos da Argentina, Brasil e Paraguay, o
Mercosul retrocederá ao modelo de um zona de livre comercio, sem
articulações ou políticas produtivas, trabalhistas e sociais comuns. Muito
provavelmente negociará acordos com a UE e talvez os EUA, ou o bloco do
Pacifico. No Brasil haverá pressão pela adoção de Acordos de Proteção
Internacional e ficaremos vulneráveis a intervenção de multinacionais nas
definições de nossa política interna.
A
integração dos processos de produção será cada vez mais gerenciada pelas
multinacionais, crescendo mais o comercio intra-empresas. Quando não existem
políticas de integração num plano desenvolvimentista, as grandes empresas é que
determinam a construção e funcionamento das cadeias de produção e comercio,
onde, quando e como colocar ou deslocar a produção. O darwinismo comercial será
mais violento.
Desta
forma toda a agenda social, política e trabalhista tende a naufragar ou no
mínimo tornar-se retórica pouco crível.
No
Mercosul, graças a forte presença do movimento sindical no processo (no período
de 1992 a 2005) a agenda trabalhista teve importante papel. Mesmo depois do
período neoliberal dos anos 90 se conseguiu aprovar a Declaração dos Direitos
Fundamentais do Mercosul em 1998. Em 2004 foi realizada a primeira Conferencia
de Emprego do Mercosul e aprovado um ambicioso plano de trabalho, que em quase
nada ultrapassou a retórica. Como os governos nacionais aplicava, políticas de
geração de emprego e renda e valorização dos direitos fundamentais, o ator
sindical Mercosul foi deixando de lado seus espaços e depois do fim das
negociações da ALCA as centrais sindicais foram dando cada vez menos
importância a participação nas atividades regionais.
Seria
um erro não retomar o protagonismo no processo de integração quando entra em
débâcle um projeto tão importante como esse e, principalmente, não desenvolver
uma estratégia que priorize a articulação de trabalhadores e trabalhadoras de
mesmos grupos empresariais e segmentos produtivos, para impedir exatamente a
pratica do dumping social e a perda de direitos na região.
No
Mercosul existem instrumentos aprovados – como o caso da Declaração
Sociolaboral – mas pouco efetivos, pois nunca foi materizalizada a via para
implementá-los. O sindicalismo, tão ativou nas primeiras etapas de negociação
do bloco não pressionou por sua implementação e nem lançou mão desses recursos.
É hora de fazê-lo.
Para
finalizar podemos dizer que o Mercosul corre um sério risco de tornar-se apenas
uma via livre para a estratégia das multinacionais e seu futuro depende
fundamentalmente do percurso político no Brasil.
Mas,
o fortalecimento e da articulação sindical e a definição de estratégias comuns
de ação contra a política anti-sindical e anti social do grande capital depende
bastante da decisão e da iniciativas do movimento sindical e social.
FONTE:Carta Maior
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