Por Roberto Bitencourt da Silva
Mas, infelizmente, é forçoso lembrar que não são os fatores
decisivos para a alfabetização política. As experiências cotidianas e os
contornos do tempo em que agem os sujeitos são aspectos mais importantes para
uma politizada “leitura do mundo”.
Nos anos imediatamente anteriores ao golpe civil-militar de
1964, grossa parte da população não era letrada. Era “analfabeta” do ponto de
vista escolar.
Porém, prevalecia uma imprensa não oligopolizada – somente na
cidade do Rio de Janeiro havia mais de 20 jornais em circulação –, e uma
televisão que não possuía influência maior nos esquemas de percepção da
população.
Ademais, entre os estratos baixos e altos das classes
trabalhadores, bem como em frações da pequena burguesia, as experiências
cotidianas no trabalho, nas escolas, nas universidades e nos quartéis,
permitiam uma percepção mais aguçada do país em que viviam.
Os partidos, de esquerda e direita, assim como os sindicatos
de trabalhadores, guardavam boa margem de coerência nas ações e legitimidade
junto às suas bases sociais. Por isso, tinham capacidade de desempenhar um
papel politicamente educativo.
Um trabalhador humilde tinha clareza de que o capital
estrangeiro subtraía muito mais riqueza do que criava no país, bem como
identificava no latifúndio uma opressão aos trabalhadores rurais, além de
encarecer os alimentos nas cidades, gerando a “carestia”.
Muitos trabalhadores urbanos, sem passar pela escola ou com
baixa escolaridade, conseguiam compreender assuntos áridos, para os padrões dos
nossos dias, como as transferências dos lucros dos chamados investimentos
externos para o exterior.
Não só compreendiam, como demandavam solução política para o
que se entendia ser uma “espoliação” sobre os frutos dos trabalhadores e uma
“sangria” das riquezas nacionais.
Os Estados Unidos eram concebidos como uma potência perigosa,
que ameaçavam os interesses nacionais, na cosmovisão de amplas faixas das
classes trabalhadoras e médias.
Hoje, a imbecilidade campeia, o analfabetismo político grassa
na terra brasilis. Isso a despeito da elevação dos níveis de escolaridade e, em
tese, dos domínios das competências na escrita e na leitura.
Educação escolar e universitária, oferecida ou apropriada, na
melhor das hipóteses, de maneira meramente instrumental e despolitizada é o que
temos em nossos tempos.
Por outro lado, a principal formadora de (in)consciências,
comportamentos, categorias de percepção sobre o mundo e atitudes, está longe de
ser a escola.
O sujeito compra um casaco ou um aparelho celular de marca norte-americana
e se identifica com os Estados Unidos. A sua afeição, do ponto de vista
identitário, é com o “grande irmão” do Norte, pouco se lixando para o Brasil. A
sua mente é colonizada pela mercadoria. Quem a faz ou está associado a ela é
exaltado. "Viva os EUA", diz o bobalhão.
Veste uma camisa da CBF e sai às ruas clamando contra a
“corrupção”. Contribui para colocar inúmeros sujeitos comprometidos com
práticas torpes, corruptas, antipopulares e antinacionais.
Contribui para formar um governo ilegítimo, que adota medidas
que, em boa medida, irá causar danos diretamente a si mesmo, o pregador da
“moralidade”, ontem, via golpe.
A imbecilidade e a obscuridade venceram. Com certificados
escolares e universitários. Por ora.
O analfabetismo político impreante, cujos irmãos são a
imbecilidade e a obscuridade, tem pai e mãe: o golpe civil-militar de 1964 e a
Rede Globo. São essas experiências que conformam boa parte do cotidiano da
nossa gente.
O pai, portador de influências duradouras, autoritárias,
suscitou a valorização da subalternidade em relação ao exterior (o eterno
complexo de vira-latas) e em parte expressiva das relações sociais no país.
A mãe, os conglomerados da família Marinho, opera
cotidianamente sob a forma daquilo que o filósofo Ludovico Silva chama de
“mais-valia ideológica”. Isto é, o prolongamento simbólico da exploração e das
relações sociais desiguais, no tempo de descanso e que deveria ser dedicado à
reflexão autônoma dos sujeitos.
Eis o papel que a Rede Globo desempenha: embota as
capacidades de percepção sobre os próprios sujeitos, sobre os seus potenciais
interesses e suas situações reais de vida, como também em torno das
necessidades do país em que vive. O analfabetismo político é o fruto da Rede
Globo.
Hoje, o analfabeto político, tão lépido e fagueiro, quanto
oco e facilmente manipulável, dá suporte a um governo espúrio, assentado nas
abomináveis, mas endeusadas, “instituições”.
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