terça-feira, 28 de junho de 2016

Pela democracia, historiadores respondem aos ataques da mídia



Cada dia mais, a imprensa conservadora vem tentando censurar às mais diversas categorias de pensadores que denunciam a tentativa de golpe no Brasil. Neste último sábado (25), o colunista da Folha de S.Paulo, Demétrio Magnoli, publicou no referido jornal, um artigo, com esse viés, intitulado “Formação de Quadrilha”.

  

Entretanto, a tentativa de depreciação do grupo de historiadores não ficou sem resposta e o aprofundamento deste debate se deu com a publicação de dois artigos que rebateram o desconhecimento do colunista sobre o papel destes pensadores e de sua liberdade de pensar e opinar quando se trata do contexto político-brasileiro.
Duas das mais renomadas historiadoras do Brasil, Silvia Hunold Lara e Hebe Maria da Costa Mattos, criticaram a tentativa de intimidação da imprensa contra o movimento Historiadores pela Democracia e manifestaram preocupação com a criminalização do pensamento "plural".
Silvia Hunold Lara que tem pós-doutorado da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, doutorado em História Social pela USP e é professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 2004, coloca em xeque o que teria “incomodado tanto” os jornalistas “e seus patrões” no caso do manifesto do grupo dos Historiadores pela Democracia.
Segundo ela, a pista está nos títulos. “Como são partidários de uma história unívoca e ‘verdadeira’, temem que a narrativa histórica não lhes faça ‘justiça’, diz ela, apontando que a preocupação deles é que os documentos produzidos por estes pensadores, no presente, possam ser analisados como “forças atuantes, seus protagonistas” de um golpe. A professora observa: “Todos nós temos um lugar – e aqueles que lutaram pela pluralidade e pela diversidade poderão estar juntos, mesmo sendo diferentes. O nome disso é democracia.”
Chama a atenção da professora quando dois dos principais jornais do Brasil tentam criminalizar o movimento dos historiadores, diante do grave cenário de crise política e institucional que vive o país. O Estado de S.Paulo publica um editorial agressivo no último dia 14, contra o posicionamento dos historiadores e agora o articulista da Folha de S.Paulo descreve o movimento como “Formação de Quadrilha”, aponta.
Silvia Hunold Lara critica ainda a ideia simplista que a imprensa faz da função do historiador. “Ambos têm uma ideia bem tacanha do que seja o ofício do historiador. O primeiro afirma que o papel da história é ‘o de reconstituir o passado para entender o que somos no presente’. O segundo diz que ‘o historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos’.”
E este é o problema, explica a professora: “o papel do historiador nunca foi o de ‘reconstituir’ o passado. O ofício do historiador, ao contrário do que pode prevalecer no senso comum, vai muito além da busca pelo passado. Não é só analisar documentos produzidos, é interpretar, é compreender as diversas forças que produzem os fatos, explica Silvia.
Mas “essa explicação nunca é unívoca” e nem tampouco a história não é singular, diz a professora. “Ao supor a unicidade da história e dos profissionais que denunciam o golpe, os dois jornalistas produzem um efeito de verdade muito útil para a defesa de suas posições.”

Golpe

No seu artigo, a historiadora esclarece sobre o andamento do processo de impeachment até o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff sem ter a prova que houve crime de responsabilidade. “O Legislativo fez uso de mecanismos constitucionais e o Judiciário estabeleceu o ritual do processo”. Para ela, “a aparente legalidade não esconde, entretanto o golpe articulado por forças retrógradas que se instalaram no poder e esforçam-se por dar uma guinada ultra liberal na economia, diminuir conquistas dos trabalhadores, limitar políticas sociais e restringir direitos humanos.”

Réplica

Especialmente para a Folha, a doutora em História, Hebe Maria da Costa Mattos que ainda tem pós-doutorado na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos e na Sorbonne, de Paris e ainda é professora titular de História da Universidade Federal Fluminense, publicou artigo contestando o colunista do mesmo jornal, Demétrio Magnoli.
De início, a professora diz que “como não é historiador”, Magnoli não deve ter lido os documentos publicados pelo grupo Historiadores pela Democracia e não entendeu do que se trata.
No artigo, Hebe Mattos aborda também sua preocupação com o fato de órgãos da imprensa utilizar da “lógica maniqueísta” e tentar enquadrar os mais importantes historiadores do país no grupo do mal.
Para a professora, deve-se levar em conta que no grupo há profissionais e estudantes de história das mais diversas escolas e que juntos, “formam uma narrativa polifônica e plural, que vem se somar ao alentado movimento da sociedade civil em defesa da Constituição de 1988 e de resistência ao governo interino, ao programa que tem desenvolvido sem o amparo das urnas e à forma como chegou ao poder.”
O que o grupo tem em comum, ressalta Hebe é a “preocupação com os sentidos republicanos e democráticos da ordem política brasileira, ameaçados desde a votação da Câmara dos Deputados de 17 de abril, de triste memória.”
De tradição democrática, a professora explica que dentro do grupo há diálogo e discordâncias, mas que “a tese de que há um golpe branco em andamento, como reação conservadora às mudanças da sociedade brasileira produzidas desde a adoção da Constituição de 1988, é hipótese que defendo, junto a outros colegas”.
A professora encerra o artigo dizendo que não pretende processar o colunista. “Temos certeza de que eram as festas juninas que Magnoli tinha em mente quando falou em formação de quadrilha. Nós o convidamos a deixar de lado o maniqueísmo e o discurso de intolerância e a vir dançar conosco a quadrilha da democracia.”
Além do grupo Historiadores pela Democracia, outras entidades que representam os ciências sociais e humanas, como a Associação Nacional de História (ANPUH), criticam, veementemente, a criminalização dos movimentos sociais, as perdas de direitos sociais e trabalhistas e as ingerências conservadoras nas políticas educacionais. Como é o caso da “escola sem partido”, na militarização das escolas e no anúncio de fechamento do MinC.

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