Cada
dia mais, a imprensa conservadora vem tentando censurar às mais diversas
categorias de pensadores que denunciam a tentativa de golpe no Brasil. Neste
último sábado (25), o colunista da Folha de S.Paulo, Demétrio Magnoli, publicou
no referido jornal, um artigo, com esse viés, intitulado “Formação de
Quadrilha”.
Entretanto, a tentativa de depreciação do grupo de
historiadores não ficou sem resposta e o aprofundamento deste debate se deu com
a publicação de dois artigos que rebateram o desconhecimento do colunista sobre
o papel destes pensadores e de sua liberdade de pensar e opinar quando se trata
do contexto político-brasileiro.
Duas das mais renomadas historiadoras do Brasil, Silvia
Hunold Lara e Hebe Maria da Costa Mattos, criticaram a tentativa de intimidação
da imprensa contra o movimento Historiadores pela Democracia e manifestaram
preocupação com a criminalização do pensamento "plural".
Silvia Hunold Lara que tem pós-doutorado da Universidade de
Michigan, nos Estados Unidos, doutorado em História Social pela USP e é
professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) desde 2004, coloca em xeque o que teria “incomodado tanto” os
jornalistas “e seus patrões” no caso do manifesto do grupo dos Historiadores
pela Democracia.
Segundo ela, a pista está nos títulos. “Como são partidários
de uma história unívoca e ‘verdadeira’, temem que a narrativa histórica não lhes
faça ‘justiça’, diz ela, apontando que a preocupação deles é que os documentos
produzidos por estes pensadores, no presente, possam ser analisados como
“forças atuantes, seus protagonistas” de um golpe. A professora observa: “Todos
nós temos um lugar – e aqueles que lutaram pela pluralidade e pela diversidade
poderão estar juntos, mesmo sendo diferentes. O nome disso é democracia.”
Chama a atenção da professora quando dois dos principais
jornais do Brasil tentam criminalizar o movimento dos historiadores, diante do
grave cenário de crise política e institucional que vive o país. O Estado de
S.Paulo publica um editorial agressivo no último dia 14, contra o
posicionamento dos historiadores e agora o articulista da Folha de S.Paulo
descreve o movimento como “Formação de Quadrilha”, aponta.
Silvia Hunold Lara critica ainda a ideia simplista que a
imprensa faz da função do historiador. “Ambos têm uma ideia bem tacanha do que
seja o ofício do historiador. O primeiro afirma que o papel da história é ‘o de
reconstituir o passado para entender o que somos no presente’. O segundo diz
que ‘o historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a
investigação e reconstrução da trama dos eventos’.”
E este é o problema, explica a professora: “o papel do historiador
nunca foi o de ‘reconstituir’ o passado. O ofício do historiador, ao contrário
do que pode prevalecer no senso comum, vai muito além da busca pelo passado.
Não é só analisar documentos produzidos, é interpretar, é compreender as
diversas forças que produzem os fatos, explica Silvia.
Mas “essa explicação nunca é unívoca” e nem tampouco a
história não é singular, diz a professora. “Ao supor a unicidade da história e
dos profissionais que denunciam o golpe, os dois jornalistas produzem um efeito
de verdade muito útil para a defesa de suas posições.”
Golpe
No seu artigo, a historiadora esclarece sobre o andamento do
processo de impeachment até o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff
sem ter a prova que houve crime de responsabilidade. “O Legislativo fez uso de
mecanismos constitucionais e o Judiciário estabeleceu o ritual do processo”.
Para ela, “a aparente legalidade não esconde, entretanto o golpe articulado por
forças retrógradas que se instalaram no poder e esforçam-se por dar uma guinada
ultra liberal na economia, diminuir conquistas dos trabalhadores, limitar
políticas sociais e restringir direitos humanos.”
Réplica
Especialmente para a Folha, a doutora em História, Hebe Maria
da Costa Mattos que ainda tem pós-doutorado na Universidade de Maryland, nos
Estados Unidos e na Sorbonne, de Paris e ainda é professora titular de História
da Universidade Federal Fluminense, publicou artigo contestando o colunista do
mesmo jornal, Demétrio Magnoli.
De início, a professora diz que “como não é historiador”,
Magnoli não deve ter lido os documentos publicados pelo grupo Historiadores
pela Democracia e não entendeu do que se trata.
No artigo, Hebe Mattos aborda também sua preocupação com o
fato de órgãos da imprensa utilizar da “lógica maniqueísta” e tentar enquadrar
os mais importantes historiadores do país no grupo do mal.
Para a professora, deve-se levar em conta que no grupo há
profissionais e estudantes de história das mais diversas escolas e que juntos,
“formam uma narrativa polifônica e plural, que vem se somar ao alentado
movimento da sociedade civil em defesa da Constituição de 1988 e de resistência
ao governo interino, ao programa que tem desenvolvido sem o amparo das urnas e
à forma como chegou ao poder.”
O que o grupo tem em comum, ressalta Hebe é a “preocupação
com os sentidos republicanos e democráticos da ordem política brasileira,
ameaçados desde a votação da Câmara dos Deputados de 17 de abril, de triste
memória.”
De tradição democrática, a professora explica que dentro do
grupo há diálogo e discordâncias, mas que “a tese de que há um golpe branco em
andamento, como reação conservadora às mudanças da sociedade brasileira
produzidas desde a adoção da Constituição de 1988, é hipótese que defendo,
junto a outros colegas”.
A professora encerra o artigo dizendo que não pretende
processar o colunista. “Temos certeza de que eram as festas juninas que Magnoli
tinha em mente quando falou em formação de quadrilha. Nós o convidamos a deixar
de lado o maniqueísmo e o discurso de intolerância e a vir dançar conosco a
quadrilha da democracia.”
Além do grupo Historiadores pela Democracia, outras entidades
que representam os ciências sociais e humanas, como a Associação Nacional de
História (ANPUH), criticam, veementemente, a criminalização dos movimentos
sociais, as perdas de direitos sociais e trabalhistas e as ingerências
conservadoras nas políticas educacionais. Como é o caso da “escola sem
partido”, na militarização das escolas e no anúncio de fechamento do MinC.
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