O Coletivo por um Ministério Público Transformador, entidade
associativa composta por membros do Ministério Público, pautando-se nos
primados da democracia e da cidadania, afirma seu apoio às recentes
manifestações políticas dos estudantes brasileiros.
1. A ocupação dos espaços educacionais que vêm ocorrendo no país são
formas de os estudantes se posicionarem frente às políticas públicas e
alterações legislativas em debate, e que podem comprometer a qualidade
da educação. Seus atos políticos devem ser entendidos, portanto, como
exercício dos direitos fundamentais de liberdade de pensamento, de
reunião e de manifestação assegurados pela Constituição da República de
1988, no artigo 5º, incisos IV, IX e XVI.
2. A tramitação da Reforma do Ensino Médio por meio da Medida
Provisória nº 746/2016 e da Proposta de Emenda à Constituição 55 (antiga
PEC 241), que estabelece, para os próximos 20 anos, teto de gastos
públicos, inclusive para o setor da Educação, além de outras iniciativas
legislativas com impacto na política educacional (planos de educação,
leis sobre questões de gênero e Escola sem Partido, por exemplo), sem
que haja um amplo debate com a sociedade, são motivos relevantes para
que os jovens utilizem recursos de mobilização para serem ouvidos pelo
Poder Público. Trata-se de garantir a eficácia da Lei Federal nº
12.852/2012 (Estatuto da Juventude), que estabelece aos jovens o direito
público subjetivo de “participação social e política na formulação,
execução e avaliação das políticas públicas de juventude”.
3. As ocupações dos espaços educacionais como reivindicação dessa
participação são canais legítimos de expressão das inquietações dos
estudantes, devendo ser garantida sua segurança, para que se desenvolvam
de forma pacífica e pedagógica, com respeito às representações juvenis,
associações, entidades estudantis, redes, coletivos e movimentos
sociais, cuja legitimidade é expressamente reconhecida nos termos do
artigo 5o daquele Estatuto.
4. O movimento de ocupação dos estabelecimentos educacionais, que se
iniciou no Estado de São Paulo em 2015 e que vem se espalhando pelo
País, atingindo agora vinte Estados e o Distrito Federal, revela o poder
político e de organização dos jovens, resultado de uma educação que
amplia a visão cidadã, a partir do debate e da informação. Não há dúvida
de que há muito a avançar no que diz respeito à qualidade da educação
no País, especialmente garantindo maiores oportunidades para as
populações mais vulneráveis, razão pela qual não se pode admitir
retrocesso nessa seara.
5. O Estatuto da Criança e do Adolescente ampara também o direito de
crianças e adolescentes de ir, vir e estar em logradouros públicos e
espaços públicos e comunitários, além dos direitos de opinião, expressão
e participação na vida política do País (arts.15 e 16 da Lei 8.069/90),
assim como diversos tratados internacionais recepcionados pelo
ordenamento jurídico brasileiro, notadamente a Convenção Internacional
sobre direitos das Crianças da ONU.
6. Assim, o atual movimento de ocupação das escolas deve ser
compreendido pela sociedade e pelo poder público na perspectiva de um
legítimo exercício de direitos fundamentais outorgados pela ordem
jurídica às crianças, adolescentes e jovens brasileiros, a serem
assegurados com absoluta prioridade pela família, sociedade e Estado,
conforme art.227 da Constituição da República.
7. A pretensão de enquadrar as ocupações como atos ilegais, que
merecem repressão e ações judiciais de reintegração possessória, nega
aos estudantes a possibilidade de reivindicação de seu espaço político
de participação, nega suas vozes, seus espíritos e sua cidadania. É
evidente que o movimento estudantil não tem por objetivo a tomada da
posse de escolas, no sentindo patrimonial. O que a juventude brasileira
revela é a necessidade de ocupar suas escolas como espaço de cidadania,
de debate político, de consciência crítica e de manifestação de sua
subjetividade individual e coletiva.
8. Cabe ao Ministério Público, como defensor do regime democrático,
atuar para garantir que a desejada manifestação política de crianças,
adolescentes e jovens se dê de forma pacífica, sem violação aos seus
direitos, articulando para que haja espaços de diálogo entre os
manifestantes e o Poder Público. Deve a instituição utilizar-se de
mecanismos resolutivos para que esses os estudantes tenham voz e sejam
escutados em suas demandas, interesses e necessidades.
9. Portanto, o Coletivo por um Ministério Público Transformador
repudia a repressão às ocupações, com a retirada forçada dos estudantes
por meio de aparato policial, notadamente com o uso ilegal de algemas,
força excessiva e privação de direitos humanos básicos (corte de luz,
água, alimentos, emprego de equipamentos sonoros, etc.), como tem sido
amplamente noticiado pela mídia. Essas são práticas ilegais, que ignoram
o legítimo exercício do direito de manifestação política dos estudantes
e são, por conseguinte, incompatíveis com o Estado Democrático de
Direito.
10. Por fim, convidamos os atores do sistema de justiça a promover
uma atuação frente ao movimento de ocupação das escolas direcionada à
mediação entre os interesses em conflito, estimulando e fomentando um
espaço de diálogo entre os estudantes e o Poder Público, com o objetivo
de viabilizar a pretensão de efetiva participação dos estudantes nas
discussões políticas que afetam seus interesses neste grave momento de
crise política e econômica vivenciado pela sociedade brasileira.
Brasília, 05 de novembro de 2016.
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