A Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJ) do Senado aprovou hoje (9), depois de sete horas de discussões,
a íntegra do relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que
congela os gastos públicos – o que permite que a matéria seja encaminhada para
votação no plenário da Casa. No parecer, o relator, senador Eunício Oliveira
(PMDB-CE), rejeitou as 59 emendas apresentadas. A oposição protestou e
apresentou um texto substitutivo e dois votos em separado, estes últimos, para
condicionar a implementação das medidas de ajuste à aprovação da proposta por
meio de uma consulta popular, mas as duas alternativas foram rejeitadas.
No final, a matéria foi aprovada diante de uma cena
insólita no Congresso, na qual foram os senadores que vaiaram a manifestação de
um grupo pequeno de estudantes. “Vocês envergonham o país. É muito fácil para
vocês falarem na crise econômica e na situação do povo brasileiro aprovando
medidas como essa que só vão afetar a vida dos mais pobres”, gritaram duas
moças, em meio a risos e levantes por parlamentares da base do governo. “Nunca
vi uma coisa dessas, de senadores vaiarem o povo na casa que é do povo”,
ironizou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
O encerramento dos trabalhos referentes à PEC 55 na
CCJ foi motivo de reclamações dos senadores da oposição, que se queixaram de os
integrantes da comissão não terem dado espaço para que a matéria fosse mais
debatida. O presidente da comissão, José Maranhão (PMDB-PB), também impediu que
fossem aceitas duas outras emendas de destaque apresentadas no último momento
por Gleisi Hoffmann (PT-PR), com o argumento de que não existia autorização no
regimento para isso, o que levou a uma discussão sobre regras regimentais do
Congresso.
Como forma de mostrar a importância de uma consulta
popular, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) divulgou o resultado de
pesquisa que está sendo realizada pelo site do Senado junto à população sobre a
proposta. O trabalho mostra que, até ontem, 341 mil pessoas responderam às
perguntas. Dessas, 321 mil disseram ser contrárias ao congelamento dos gastos
públicos e somente 20 mil se manifestaram favoráveis.
“Não adianta dizerem que esse resultado só saiu assim
porque a pesquisa foi feita pela Internet. Então que aceitem ir às ruas,
perguntar ao povo. Essa proposta é uma das mais injustas e truculentas
apresentadas ao país”, afirmou a senadora. A explicação do relator para
rejeitar as emendas foi de que “a situação econômica é muito séria e não
permite mais atrasos na apreciação da PEC”.
Eunício disse que a diminuição da dívida pública é
“essencial” para a reorganização da economia do Brasil e “tudo o que está em
jogo é a segurança orçamentária, para que a União não gaste mais do que
arrecada, daqui por diante”.
Impeachment do próximo presidente
Já no texto substitutivo ao da PEC, lido pelo senador
Roberto Requião (PMDB-PR), o parlamentar afirmou que a Constituição Federal
estabelece a reserva de iniciativa que cabe ao Executivo em matéria
orçamentária. De acordo com Requião, da forma como se encontra, a matéria
significa o mesmo que eliminar a possibilidade de o chefe do Executivo a ser
eleito pelo povo em 2018 conseguir governar.
A PEC fará, em sua opinião, com que o próximo
presidente assuma o cargo com as mãos atadas e impedido de definir suas
estratégias de gestão. “É o mesmo que decretar o impeachment do próximo
presidente desde já. A mesma proposta também representa a cassação dos parlamentares futuros”,
acentuou.
O substitutivo sugeria que ficasse estabelecido,
dentre suas principais medidas, o prazo máximo de quatro anos para a vigência
de qualquer plano aprovado referente ao ajuste fiscal, que este prazo máximo de
prevalência das medidas fiscais fosse sempre compatível com o do Plano
Plurianual (PPA), que os gastos do governo fossem condizentes com o crescimento
populacional e que fosse garantido o aumento real do salário mínimo sempre que
registrado crescimento econômico no país. Determinava, ainda, que qualquer
outro acréscimo a ser feito futuramente fosse objeto de um referendo.
O texto da PEC, que com a votação desta tarde
permanece da forma como chegou ao Senado pela Câmara dos Deputados, limita as
despesas primárias do governo federal (aquelas não destinadas ao pagamento de
juros), pelos próximos 20 anos, ao valor gasto no ano anterior mais a correção
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do período de junho
do ano retrasado a julho do ano anterior de cada exercício.
Contestações
Eunício Oliveira foi alvo de contestações de colegas
quando disse que as áreas de saúde e educação, que afirmou serem “essenciais
para o desenvolvimento do país e bem-estar da população”, não serão prejudicadas
com a proposta. “Serão sim, senador”, rebateram de pronto as senadoras Gleisi
Hoffmann e Fátima Bezerra (PT-RN). Em outro momento tenso da sessão, o relator
afirmou que a PEC “mantém a atual regra para o piso da educação até 2017 e, a
partir daí, estabelece um crescimento pela inflação”. E acrescentou que, em
relação à saúde, o volume de 13,4% da Receita Corrente Líquida (RCL) destinada
ao setor passará a ser de 15% a partir de janeiro de 2017.
Lindbergh Farias reclamou: “Não haverá aumento algum,
senador. Só congelamento com redução de serviços. O senhor está muito mal
informado”. Para Eunício Oliveira, o
colega é que está equivocado, mas o relator não entrou em maiores detalhes em
sua explicação nem se prontificou a verificar o item mencionado por Lindbergh.
Limitou-se a pedir, em tom irritado, ao presidente da CCJ, para interferir e
evitar que ele voltasse a ser interrompido.
Tumulto
A votação da PEC teve início tumultuado, do lado de
fora do Congresso. Isto porque grupos de estudantes e índios da etnia Guarani
Kaiowa foram impedidos de entrar no Senado pela polícia legislativa. Após um
acordo feito pelos senadores Humberto Costa (PT-PE) e Gleisi Hoffmann, ficou
acertado que uma comissão representativa de cinco alunos poderia acompanhar a audiência
na comissão.
Os demais estudantes e os índios foram liberados para
ter acesso ao Congresso, mas pelo anexo II da Câmara dos Deputados, para
participar de audiências públicas sobre outros temas, sem permissão para que
chegassem ao local onde estava sendo discutida a PEC.
A proibição, além de ter sido denunciada pelos
oposicionistas como uma espécie de blindagem aos senadores apoiadores da PEC,
também foi considerada parte da estratégia adotada pelo governo para evitar que
emendas que alterassem o texto viessem a ser aprovadas. Contraditoriamente, a
sala da CCJ ficou repleta de assessores legislativos e técnicos convidados
pelos parlamentares da base do governo.
Nos bastidores, informações de senadores do PT e do
PCdoB, confirmadas por um peemedebista, foram de que desde segunda-feira (7) o
presidente Michel Temer e sua equipe de articulação política têm realizado
audiências diversas com parlamentares para garantir a aprovação do relatório
sem emendas.
Ao longo destes três dias, foram sete os encontros com
líderes e parlamentares com atuação mais expressiva na legislatura – incluindo
o que Temer teve com o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG),
na noite de ontem. E, ainda, diversos os telefonemas trocados entre ministros e
o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL)
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