Na madrugada desta quarta-feira,
o impensável aconteceu.
Trump venceu uma corrida
apertada contra a ex-secretária de Estado e ex-primeira-dama Hillary Clinton,
ultrapassando a marca dos 270 delegados para formar a maioria do Colégio
Eleitoral. O empresário, apesar de não ter carreira nenhuma na política nem qualquer
qualificação que o colocasse à altura do cargo, viu sua pontuação subir
gradativamente ao longo da noite, com a margem de vitória lentamente virando a
seu favor. Os resultados dos estados sem preferências foi o fator determinante
da vitória.
A polarização americana se
mostrou mais presente do que nunca. Enquanto os estados costeiros dos dois
lados votaram majoritariamente no Partido Democrata, de Hillary Clinton, o
interior do país uniu-se a Trump em peso. A população rural, especificamente,
contribuiu para virar estados que no passado eram dominados por correntes
progressistas, mas um segundo grupo demonstrou uma preferência inusitada pelo
candidato excêntrico: a classe trabalhadora dos estados mais pobres. Mesmo com
o apoio pesado dos afro-americanos e mulheres estadunidenses, o Partido
Democrata não conseguiu reverter a rejeição às velhas práticas políticas de
Washington - representadas, sem dúvida, pela sua candidata, uma figura atuante
há muitas décadas no jogo de poder.
hillary clinton donald trump
chance vitoria dia eleicao 2016NO GRÁFICO: probabilidade de vitória ao longo da
noite. O que era uma vitória certa para Hillary Clinton mudou de forma
repentina, quando se abriram as urnas das zonas rurais do centro do país
(Fonte: New York Times)
O resultado vem ao final de
uma campanha recheada de insultos e mentiras, em que os dois lados trocaram
ataques como jamais se viu em uma disputa política naquelas terras. A disputa
infectou o eleitorado, provocando manifestações de ódio ao longo da noite.
Trump, um bilionário racista e misógino, construiu uma campanha centrada na
xenofobia e na criminalização de sua oponente, que nas últimas semanas teve que
enfrentar um escândalo diretamente ligado ao FBI. Isso criou uma onda de
rejeição extremamente perceptível contra Hillary. Nos debates, Trump se portou
com uma falta de educação inédita para um candidato ao cargo, que só pode ser
compreendida como um sintoma do ódio profundamente arraigado no eleitorado
norte-americano.
Hillary, por outro lado,
dedicou sua campanha para denunciar o comportamento abertamente fascista de
Trump, mas falhou em separar sua imagem dos magnatas da indústria armamentista
e do mercado financeiro. Ao final, focou seu poder de fogo em uma suposta
cumplicidade entre seu rival e o presidente russo, Vladimir Putin, insinuando
interferência do governo daquele país no processo eleitoral.
Conforme foi se tornando
claro que uma vitória de Trump seria inevitável, as reações do mercado
financeiro ao redor do mundo foram se tornando cada vez mais agitadas. A bolsa
de valores asiática, que estava aberta durante a apuração, despencou, assim
como a europeia. As bolsas americanas acordaram também em forte queda, com
movimentações apavoradas de investidores internacionais.
Um dos dados mais relevantes
conseguidos pelas pesquisas do jornal New York Times foi o dos motivos para a
eleição de Trump: a maioria dos eleitores que escolheu o republicano disse
tê-lo feito na expectativa de “levar mudança a Washington e dar um basta na
corrupção - um discurso muito similar ao da campanha de Aécio Neves em 2014,
aqui no Brasil. Quase todos os eleitores, no entanto, expressaram desalento com
o clima extremamente negativo das campanhas.
A vitória de Trump não é
apenas uma bofetada no Partido Democrata, mas em grande parte da elite política
e financeira norte-americana. O bilionário começou sua trajetória de campanha
como uma piada interna do Partido Republicano, sem ser levado a sério nem mesmo
por seus oponentes internos. Sua imensa fortuna pessoal, no entanto, facilitou
a estabilização de sua candidatura, ao libertá-lo das exigências ideológicas
que normalmente são impostas aos candidatos dos grandes doadores. Sem as
amarras da política tradicional, Trump tornou-se uma espécie de avatar da
anti-política nos Estados Unidos, desrespeitando tudo e todos diante de uma
audiência de milhões. Tivesse sido seu oponente um ator igualmente afastado do
controle das elites, como o senador progressista Bernie Sanders, talvez o tiro
saísse pela culatra. Contra Hillary, porém, o discurso a atingiu em cheio.
Tal qual um Jair Bolsonaro
que fala inglês, Trump acabou se tornando a incorporação do protesto da
população contra uma prática política cada vez mais desconectada do mundo real.
Também lá, chegou a hora de a esquerda, que em sua grande maioria se posicionou
ao lado da candidata democrata, fazer a auto-crítica.
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