Por Michael Löwy.
Karl Marx não era dos que se
aposentam da revolução: continuou pensando, escrevendo, lutando, até seu último
suspiro. Muitos pesquisadores – inclusive quem vos escreve – se interessaram
pelo jovem Marx; outros preferiram estudar a grande obra “da maturidade”, O
capital. Marcello Musto, no formidável livro O velho Marx: uma biografia de
seus últimos anos, é o primeiro a analisar com profundidade o “último Marx”
(1881-1883), descobrindo as fascinantes pistas que abriu, em seus derradeiros
anos, o grande adversário do capitalismo. Conhecido por seus excelentes
trabalhos sobre a história da Primeira Internacional, Musto explora o novo
material publicado pela MEGA (a nova edição das obras completas de Marx e
Engels), assim como documentos e cadernos de notas ainda inéditos, para
examinar estas pistas: a antropologia, nos famosos mas pouco estudados Cadernos
etnográficos; as formas pré-capitalistas de propriedade comunal; o
colonialismo; os desenvolvimentos econômicos e sociais em países não
ocidentais, tais como a Rússia, a Argélia e a Índia.
O quadro que esses escritos
– certo, inacabados e não sistemáticos – vão desenhando é de um Marx
extraordinariamente “heterodoxo”, isto é, pouco conforme com o marxismo
pseudo-ortodoxo que tanto estrago fez no curso do século XX. Um Marx que
critica impiedosamente o economicismo, a ideologia do progresso linear, o
evolucionismo, o fatalismo histórico, o determinismo mecânico. A morte
interrompeu um extraordinário processo de reelaboração, de reformulação, de
reinvenção do materialismo histórico e da teoria da revolução.
Um dos exemplos mais
impressionantes da “heresia” do velho Mouro são seus últimos escritos sobre a
Rússia, em particular a carta, com seus rascunhos, a Vera Zasulitch. Em 1881,
essa jovem revolucionária russa havia consultado o autor de O capital sobre o
futuro da tradicional comuna rural no país dela. Na resposta, Marx manifesta
sua simpatia pelos integrantes do movimento Narodnaia Volia (A Vontade do Povo)
e avança a hipótese de um caminho russo ao socialismo, que pudesse evitar a
esse povo todos os horrores do capitalismo. Um caminho que se apoiaria nas
tradições coletivistas “arcaicas” da comuna rural russa para desenvolver um
processo revolucionário ao mesmo tempo antitsarista e anticapitalista – em
associação com a revolução social nos países industrializados da Europa.
Este belo livro de Marcello
Musto confirma, mais uma vez, que a obra de Marx é um arsenal inesgotável de
armas não só para entender mas também, e sobretudo, para transformar a
realidade. Na verdade, mais que uma “obra” acabada, é um imenso canteiro de
obras, que segue aberto e em expansão
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