Por Carlos Fernando Piske
Janeiro de 1971. Como todos
os jovens, aos 18 anos ingressei no Exército para cumprir o serviço militar
obrigatório. Mesmo que o Exército me dispensasse, meu pai daria um jeito para
que eu servisse.
Militar de carreira,
expedicionário da FEB e veterano da Segunda Grande Guerra no teatro de
operações da Itália, entrou para a reserva após ter atingido o posto de major e
sonhava que seus três filhos homens seguissem a mesma carreira.
Mas esse sonho foi por terra
juntamente com meus cabelos longos de jovem idealista e já com um anarquismo
mal disfarçado nas atitudes. Nessa hora ficou claro para mim que minha
trajetória, ali, seria conturbada.
Com o passar do tempo,
comecei a perceber a inutilidade, falta de eficiência, de objetividade de
nossos treinamentos e pouquíssima coisa que serviria para sobreviver em
combate.
Nada de técnicas de combate
e estratégias. Parece que tudo se resumia em levar o soldado aos limites de sua
força física, como se estivessem nos preparando para uma competição. Tiros
reais foram poucos pela escassez de munição devido ao orçamento parco.
Talvez isso explique o
rendimento das tropas no combate à guerrilha do Araguaia, em que foram usados
milhares de soldados durante quase cinco anos para destruir um foco de uma
centena de guerrilheiros mal armados.
Manobras de guerra não
estavam previstas naquele ano. Era uma grande operação que envolvia até 5 mil
homens, centenas de viaturas, tanques, helicópteros, aviões, muita munição e
centenas de milhares de litros de combustível. Essa é a razão pela qual só são
realizadas de quatro em quatro anos.
Entretanto, no início de
novembro, ouvi que um grupamento de nosso quartel iria se juntar com tropas do
Sul para uma grande manobra de guerra.
Procurei então o tenente
comandante da companhia e me apresentei como voluntário, já de olho na
possibilidade de sair na segunda baixa no final de ano. Mas os convocados eram
somente do grupo de enfermagem.
Explico. Quem participa de
manobra de guerra, sai no máximo na segunda baixa. Eu certamente estaria na
última em fevereiro por questões disciplinares. Não fui um bom exemplo de
soldado e dei tanto incômodo que meu pai abandonou a ideia de ter os filhos
seguindo sua carreira.
Mas, no dia de embarcarem,
um dos soldados não se apresentou. Imediatamente fui chamado e recebi ordens
para preparar meu material de campanha, pois iria junto com eles.
Fomos de Joinville para
Curitiba e paramos algumas horas no REC MEC, Regimento de Cavalaria Mecanizada.
Confusão, desencontros. Dali nos dirigimos para um quartel no centro de que não
recordo o nome.
A cada parada, engrossava o
comboio. Partimos em direção a Guarapuava (PR) onde jantamos e pernoitamos na
Companhia de Cavalaria, que faria o papel de inimigo no treinamento.
De manhã cedo, saímos ao
destino final, Campo Erê, uma cidadezinha que tinha na época cerca de 3 mil
habitantes, situada no oeste de Santa Catarina.
Acabei assumindo a função de
operador de central telefônica, aquela cheia de plaquinhas, furos e plugs que
funcionava com uma manivela para produzir eletricidade.
Mais tarde fui saber que
aquelas eram as famosas “macaquinhas” utilizadas largamente na tortura de
presos políticos.
O cônsul brasileiro Aloysio
Dias Gomide, sequestrado pelos tupamaros
Terminado o exercício
militar de dez dias, retornamos para Joinville. Após uma noite de sono,
dormindo de novo numa cama, de manhã cedo recebemos ordens de voltar a Curitiba
com todo nosso material de guerra. Assim, sem explicações, sem ter tido contato
com a família.
Lá ficamos aquartelados no
Núcleo Preparador de Oficiais da Reserva. No pátio, caminhões e outras
viaturas, carregadas de armamento, munições e material de campanha. A ordem era
não sair do quartel. Mal permitiam atravessar a rua para comprar cigarros.
Sabíamos que algo de grave
estava acontecendo. Estava no ar. O comandante de nosso grupo nos segredou que
ouvira falar de eleições no Uruguai e que os tupamaros, grupo guerrilheiro,
iriam participar das eleições junto com a Frente Ampla.
Caso perdessem, iriam fugir
para o Brasil e nós iríamos dar apoio à 15ª Divisão de Infantaria, que já se
encontrava na fronteira com o Uruguai, para expulsá-los. Era o que nos foi
passado.
Depois de cerca de um mês e
meio de prontidão, retornamos finalmente para Joinville.
Saímos todos em baixa
especial dia 31 de dezembro de 1971, ao meio dia.
Muitos anos depois, lendo o
Livro “Aventura, Corrupção e Terrorismo” do Coronel Dickson M. Grael, é que fui
saber da verdade.
Já havia um resfriamento nas
relações Brasil e Uruguai por causa do fracasso nas negociações pela libertação
do cônsul brasileiro Aloysio Gomide, sequestrado pelos tupamaros em 1970.
O diplomata só seria
libertado após sete meses de cativeiro, mediante pagamento de resgate pela
família. Também havia o fato de João Goulart e Brizola estarem exilados no país
vizinho. O plano de invasão receberia o nome de “Plano Trinta Horas”, o tempo
que o Brasil teria para invadir o Uruguai, depor o presidente eleito, colocar
outro em seu lugar juntamente com um grupo de militares golpistas e sair fora
antes que governos e organizações internacionais se dessem conta.
Duas semanas antes dos
preparativos para a invasão, houve um encontro entre Médici e Nixon que reforça
a informação da ingerência também dos EUA. Recentemente mais de quinhentos
documentos de Estado Americano, CIA e governo brasileiro, foram
desclassificados por Obama após encontro com Dilma.
Eles tratam exaustivamente
da participação do Brasil na fraude que pôs no governo Juan Bordaberry, que
vence por pouco mais de 12.000 votos.
Assume em 1972 e dá um golpe
em 1973. Perdeu a Frente Ampla que abrigava os tupamaros, Partido Comunista
Uruguaio, Partido Socialista, militares de esquerda. Seu candidato foi Liber
Seregni.
Vale salientar que a
esquerda estava fortemente armada para rechaçar os invasores. Particularmente,
conforme já falei, não creio que nossas forças armadas conseguiriam cumprir o
objetivo em “trinta horas”.
É claro que temos
combatentes de elite, como é o caso do Batalhão de Selva, um dos mais bem
treinados e letais do planeta. Mas não é regra, é exceção. Vale aquela máxima
que diz que nosso Exército é pequeno demais para a guerra e grande demais para
a paz.
Mas, felizmente para todos,
esse delírio de interferir na soberania e autodeterminação do Uruguai, ficou
restrito à nossa cooperação na fraude eleitoral.
E foi assim que eu quase fui
pra guerra.
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