De vez em quando, torcer contra o Brasil chega ao limite do ridículo e faz vítimas improváveis. O mais recente alvo dessa babaquice foi Miguel Nicolelis.
Por Antônio Lassance
Dizem os mais espirituosos
que, no jogo de abertura da Copa, Brasil x Croácia, quando o lateral Marcelo
(tricolor) viu a bola e o goleiro Júlio César (flamenguista) à sua frente, não
resitiu e pensou: "quer saber, isso aqui é Fla-Flu" - e mandou a bola
para dentro do gol brasileiro.
A piada é ótima porque
explora o absurdo de uma situação improvável. Improvável?
Torcer contra o Brasil, por
razões que vêm de outros carnavais, é algo mais comum do que se imagina.
Há, de tudo, um pouco.
Comemorar o gol da Croácia é o de menos.
Dizer que não vai ter copa e queimar nossa bandeira em praça pública
mostraram-se atos isolados, que acabaram surtindo efeito contrário.
Torcida do contra, para
valer mesmo, foi aquela feita pelo representante oficial de um grande banco
privado brasileiro, feita em Davos (Suíça) e alhures, que declarou
enfaticamente torcer para que o país fosse rebaixado pelas agências de
classificação de risco - aquelas mesmas que não viram o elefante na sala de
estar do capitalismo na megacrise que explodiu em 2008.
De vez em quando, torcer
contra o Brasil chega ao limite do ridículo e faz vítimas improváveis.
O mais recente alvo desse
tipo de babaquice foi o respeitado neurocientista Miguel Nicolelis - respeitado
principalmente lá fora, pois, aqui dentro, sobram detratores.
Nicolelis se apresenta nas
redes sociais como cientista e "apaixonado pelo Brasil". Revela,
porém, seu defeito de ser palmeirense - ainda assim, uma razão irrelevante para
se torcer contra Nicolelis.
Este brasileiro de quem me
ufano lidera pesquisas pioneiras que se dedicam a fazer com que pessoas que
perderam seus movimentos voltem a andar, a correr, a jogar bola, a ter uma vida
com menos limitações. Seu principal projeto tem um sugestivo e emocionante
nome: "Andar de novo".
Sua mágica é juntar
neurociência, computação e robótica. A combinação foi representada no
exoesqueleto levado a campo, na abertura da Copa, para ajudar o paraplégico
Juliano Pinto a dar um chute que, simbolicamente, foi o pontapé inicial de
muitos avanços.
Mas nada disso mostrou-se
suficiente para evitar que Nicolelis fosse alvo dos ataques dos calunistas de
plantão, que o acusaram de midiático, perdulário com o dinheiro público,
farsante e de criar algo que pode ter futuro uso militar - claro, como a
pólvora, o avião, os alimentos enlatados, o satélite, o computador, o telefone
celular.
Acredite, Nicolelis foi
acusado de "nacionalista" e também de ser um novo Santos Dumont,
pejorativamente, por se dizer inventor de algo já inventado - sim, há quem, por
aqui, prefira acreditar na lenda de que quem inventou o avião foram os irmãos
Wright, aqueles que fabricaram um planador que só decolava catapultado, que
teve um voo documentado por uma foto desfocada e de escassas testemunhas.
Até hoje, ninguém conseguiu
fazer uma réplica do aeroplano dos irmãos Wright que conseguisse voar, ao
contrário do voo perfeito da réplica do 14-Bis, em seu centenário (2006).
A maledicência contra
Nicolelis lembra o destino de outro gigante da Ciência do Brasil, Carlos Chagas
(1878-1934).
A tripanossomíase americana,
popularmente conhecida como Doença de Chagas, em homenagem ao cientista, era um
verdadeiro flagelo de várias regiões mais pobres de países de clima tropical.
Chagas descobriu o agente
transmissor da doença, descreveu seu ambiente de propagação, seu ciclo
evolutivo e, mais importante, salvou muitas vidas.
Como o professor Nicolelis,
Chagas era um apaixonado pelo Brasil. Seu filho, Carlos Chagas Filho, também
grande cientista, conta em seu livro de memórias que uma das mais marcantes
recomendações que recebeu do pai foi a de que conhecesse o Brasil - que fosse
para o interior do País, visitasse as localidades mais distantes e pobres. Isso
era ciência para os Chagas.
Carlos Chagas, o pai, foi
indicado ao Prêmio Nobel e sua descoberta tinha razões de sobra para que ele
fosse laureado.
Curiosamente, a principal
oposição à indicação de Chagas não vinha da comissão do Nobel, mas de alguns de
seus compatriotas do Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (hoje,
Fundação Oswaldo Cruz) e da Academia Nacional de Medicina.
A oposição dos
"colegas", que disputavam influência no Instituto, contra o herdeiro
natural de Oswaldo Cruz, ia ao ponto de se negar a existência da doença e de se
levantar dúvidas sobre a seriedade do trabalho de Chagas.
Essas desavenças chegaram
aos ouvidos da comissão do Nobel, que, por via das dúvidas, deixou o ano de
1921 sem a premiação da área para a qual Chagas estava indicado.
Nicolelis, com Santos Dumont
e Carlos Chagas, está em boa companhia.
Ao fim e ao cabo, não só os
calunistas de Nicolelis, mas a própria Fifa, que desprezou o experimento e foi
uma das principais críticas da Copa do Mundo no Brasil, receberam um chute no
traseiro, para usar a expressão preferida do cartola Jérôme Valcke.
Foi um chute no traseiro com
estilo, VIP, dado de dentro de um exoesqueleto por alguém que quer andar de
novo.
Fonte: ContrapontoPIG
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