Hoje, a população brasileira vive um
momento diferenciado, no qual se mudam estratégias de enfrentamento ao vírus
HIV, no fluxo da rede de serviços de saúde pública, no consenso de tratamento e
inova-se nos métodos e possibilidades de ações de prevenção e acompanhamento
dos soropositivos. Quem afirma é o frei Luiz Carlos Lunardi, assessor da
Pastoral da Aids, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para
ele, agora, é um momento de muita discussão no país, esclarecimento e
redefinição dos papeis e demandas da causa.
"Esse processo gera uma série de
preocupações e até desconforto, principalmente na sociedade civil. A epidemia
ainda não está sob controle, no meu modo de ver, é necessário inovar, rever
toda a logística em torno do combate às DSTs [Doenças Sexualmente
Transmissíveis], HIV e Aids, e hepatites virais”, afirma.
Novo contexto exige
mudança de estratégias no enfrentamento à AIDS. Foto: Reprodução.
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Em entrevista à Adital,
frei Lunardi aponta que uma das grandes demandas da atualidade é que a Síndrome
tem atingido mais drasticamente a população pobre, no Brasil, que têm menos
condições de vida, alimentação, emprego, casa, saneamento básico. O que afeta,
diretamente, a qualidade de vida dessas pessoas e dificulta o acompanhamento
médico e o tratamento. Para o assessor da Pastoral, o esforço, atualmente,
também foca na naturalização da Síndrome, desvinculando-a de sentidos de culpa
ou de pecado.
ADITAL - Em 2015, completam-se
20 anos da criação do coquetel antirretroviral. Que balanço podemos fazer desse
tratamento na vida dos soropositivos?
Frei Luiz Carlos Lunardi -Sem
dúvidas, este foi um dos grandes avanços em termos da Medicina. Antes dos ARV
[antirretrovirais], a pessoa que se descobria infectada pelo vírus HIV recebia
uma sentença de morte, pois não havia medicamento e nada se podia fazer, a não
ser esperar para que o quadro se agravasse. Com os ARV, as pessoas começaram a
ter maior chance de sobreviverem, embora, com a infecção e seus agravos, e com
os efeitos colaterais do medicamento. Mudou, radicalmente, o quadro da Aids no
Brasil. Hoje, se vive com HIV e mesmo com Aids.
ADITAL - Tem sido, de fato,
eficaz?
FLCL -Sim.
Não há duvidas de que os medicamentos melhoraram a vida de muitas pessoas e
evitaram muitos óbitos.
ADITAL - Nesses últimos 20
anos, quais foram os principais avanços no tratamento do vírus?
FLCL -Os
medicamentos, realmente, conseguem controlar a carga viral. Manter o vírus em
proporções indetectáveis nos exames. Este quadro de controle do vírus garante
qualidade de vida às pessoas. O tratamento tem vários medicamentos, que
possibilitam fazer composições diferentes (o chamado coquetel), dando maior
chance de vida e tempo de tratamento.
ADITAL - Como isso se
reflete na qualidade de vida das pessoas soropositivas?
FLCL -É
fundamental a adesão ao tratamento. Tomar corretamente os medicamentos e ter os
cuidados necessários com a saúde: alimentação, sono, exercícios físicos. Para
as pessoas que conseguem fazer uma boa adesão ao medicamento, os
antirretrovirais e as conquistas que a Medicina fez possibilitam que a pessoa
continue vivendo e programando sua vida quase que normalmente. O que há em
algumas pessoas são efeitos colaterais suportáveis, como em qualquer outro
medicamento, e uma exigência no cuidado, pois a pessoa precisa fazer exames e
consultas periódicas e aderir corretamente ao tratamento.
ADITAL - Atualmente, o Poder
Público tem destinado atenção a políticas públicas nesse sentido?
FLCL -Sim,
porém nem sempre são suficientes. Hoje, vivemos um momento diferenciado, no
qual se mudam estratégias de tratamento, de fluxo da rede de serviços de saúde,
no consenso de tratamento e inova-se nos métodos e possibilidades de ações de
prevenção e acompanhamento das pessoas que vivem e convivem com HIV e Aids. É
um momento de muita discussão, esclarecimento e redefinição dos papeis e do
fluxo dos serviços.
Esse processo gera uma série
de preocupações e até desconforto, principalmente na sociedade civil. A
epidemia ainda não está sob controle, no meu modo de ver, é necessário inovar,
rever toda a logística em torno do combate às DSTs [Doenças Sexualmente
Transmissíveis] HIV e Aids, e hepatites virais. Penso que o governo esta agindo
corretamente, pois é sua a responsabilidade pela saúde pública.
ADITAL - Que tipo de
políticas públicas necessita, hoje, esse público?
FLCL –
Seguramente, a epidemia da Aids atinge, de forma mais drástica, as pessoas mais
pobres, as que têm menos condições de vida, alimentação, emprego, casa,
saneamento básico. Estas condições afetam, diretamente, a qualidade de vida
destas pessoas e dificultam o acompanhamento médico e o tratamento.
ADITAL - Como está a atuação
da Pastoral da AIids hoje em dia?
FLCL -Está
muito bem. Temos nosso método de trabalho bem definido e atuamos com clareza do
nosso papel complementar e parceiro dos serviços de saúde e dos programas de
Aids, bem como dos órgãos governamentais nas três esferas. Nossa atuação vai
desde a prevenção, informação e orientação para o diagnóstico oportuno, bem
como no acompanhamento e acolhimento das pessoas que vivem e convivem com HIV.
O carro-chefe da Pastoral da
Aids no Brasil é a capacitação, formação de multiplicadores, para que, com suas
equipes, levem à frente o trabalho diretamente nas comunidades e em áreas de
maior vulnerabilidade. Atuamos de forma bem propositiva nos meios de
comunicação social e na elaboração de materiais para campanhas, que mantêm
sempre vivo o alerta do cuidado com a epidemia presente.
ADITAL - Houve superação de
preconceitos dirigidos aos soropositivos?
FLCL -Não.
Pode-se dizer ainda hoje o chavão tão batido, mas que continua verdadeiro e
evidente; "A Aids não mata, o que mata é o preconceito”. Preconceito
vivenciado ainda hoje por muitos profissionais de saúde, que se recusam a
atender a pessoas com HIV ou atendem de forma diferenciada. Na sociedade, o
preconceito ainda é forte e nos deparamos com infinitas situações de
discriminação e desrespeito aos direitos da pessoa.
ADITAL - A sociedade
brasileira está mais acolhedora às pessoas soropositivas?
FLCL -Há
milhares de pessoas engajadas nessa luta. Bispos, padres, religiosos,
religiosas, membros de outras religiões, homens e mulheres que se dedicam a
essa causa. O que mais assusta é a omissão dos meios de comunicação, que pouco
ou nada fazem. Muitas vezes, dificultam e, em seus programas e visões,
desconstroem o trabalho feito em muitos anos. Basta lembrar o que aconteceu com
a divulgação de um ou dois casos de pessoas que queriam transmitir, propositalmente,
o HIV. Passou-se a ideia de que todas as pessoas com HIV agem assim, aumentando
o estigma e o desejo de criminalização das pessoas com HIV.
ADITAL - Quais os desafios
de hoje para a convivência com o vírus, tanto social quanto relacionada ao
tratamento médico?
FLCL -
Assumir a doença como algo natural, próprio da natureza humana. Desvincular a
doença da culpa e do pecado. Vinculá-la, naturalmente, à função física,
fisiológica natural, ao sexo. Estatísticas dão conta de que 98% das infecções
são por relações sexuais desprotegidas. Informar, orientar sobre a epidemia e
sobre todos os métodos de prevenção, acreditando que a pessoa bem formada e bem
informada será capaz de conduzir, de forma segura, sua vida é a saída mais
eficaz. A pessoa consciente é a melhor garantida.
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