A palavra da moda no Brasil
é usada por muita gente que não faz ideia de seu significado. Entenda o que é
bolivarianismo e por que ele nada tem a ver com "ditadura comunista"
Após ser apropriado pelo
ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o termo originado do sobrenome do
libertador Simón Bolívar aterrissou no debate político brasileiro. São
frequentes as acusações de políticos de oposição e da mídia contra o governo
federal petista. Lula e Dilma estariam "transformando o Brasil em uma
Venezuela". Mas o que é o tal bolivarianismo de que tanto falam? É um
palavrão? O Brasil é uma Venezuela? Bolivarismo é sinônimo de ditadura
comunista? Antes de sair por aí repetindo definições equivocadas, leia as
respostas abaixo:
O
que é bolivarianismo?
O termo provém do nome do
general venezuelano do século 19 Simón Bolívar, que liderou os movimentos de
independência da Venezuela, da Colômbia, do Equador, do Peru e da Bolívia.
Convencionou-se, no entanto, chamar de bolivarianos os governos de esquerda na
América Latina que questionam o neoliberalismo e o Consenso de Washington
(doutrina macroeconômica ditada por economistas do FMI e do Banco Mundial).
Bolivarianismo
e ditadura comunista são a mesma coisa?
Não. Mesmo considerando a
interpretação que Chávez deu ao termo, o que convencionou-se chamar
bolivarianismo está muito longe de ser uma ditadura comunista. As realidades de
países que se dizem bolivarianos, como Venezuela, Bolívia e Equador, são bem
diferentes da Rússia sob o comando de Stalin ou mesmo da Romênia sob o regime
de Nicolau Ceausescu. Neles, os meios de produção estavam nas mãos do Estado,
não havia liberdade política ou pluralidade partidária e era inaceitável pensar
diferentemente da ideologia dominante do governo. Aqueles que o faziam eram
punidos ou exilados, como os que eram enviados para o gulag soviético, campo de
trabalho forçado símbolo da repressão ditatorial da Rússia. Na Venezuela, por
exemplo, nada disso acontece. A oposição tem figuras conhecidas como Henrique
Capriles, Leopoldo López e Maria Corina Machado. Cenário semelhante ocorre na
Bolívia, no Equador e também no Brasil, onde há total liberdade de expressão,
de imprensa e de oposição ao governo.
Foi
Chávez quem inventou o bolivarianismo?
Não. O que o então
presidente venezuelano Hugo Chávez fez foi declarar seu país uma
"república bolivariana". A mesma retórica foi utilizada pelos
presidentes Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia). A associação entre
bolivarianismo e socialismo, no entanto, é questionável segundo a própria
biógrafa de Bolívar, a jornalista peruana Marie Arana, editora literária do
jornal americano The Washington Post. De acordo com ela, esse “bolivarianismo”
instituído por Chávez na Venezuela foi inspirado nos ideais de Bolívar, tais
como o combate a injustiças e a defesa do esclarecimento popular e da
liberdade. Mas, segundo a biógrafa, a apropriação de seu nome por Chávez e
outros mandatários latinos é inapropriada e errada historicamente: “Ele não era
socialista de forma alguma. Em certos momentos, foi um ditador de direita”.
O que se tornou o bolivarianismo na Venezuela?
Quando assumiu a Presidência
da República em 1999, Chávez declarou-se seguidor das ideias de Bolívar. Em seu
governo uma assembleia alterou a Constituição da Venezuela de 1961 para a
chamada Constituição Bolivariana de 1999. O nome do país também mudou: era
Estado Venezuelano e tornou-se República Bolivariana da Venezuela. Foram
criadas ainda instituições de ensino com o adjetivo, como as escolas
bolivarianas e a Universidade Bolivariana da Venezuela.
Mas
esse regime que Chávez chamava de bolivarianismo era comunista?
Não, apesar de o
ex-presidente venezuelano ter usado o termo "Revolução Bolivariana"
para referir-se ao seu governo. A ideia era promover mudanças políticas,
econômicas e sociais como a universalização à educação e à saúde, além de
medidas de caráter econômico, como a nacionalização de indústrias ou serviços.
Chávez falava em "socialismo do século XXI", mas o governo venezuelano
continua permitindo a entrada de capital estrangeiro no País, assim como a
parceria com empresas privadas nacionais e estrangeiras. Empreiteiras
brasileiras, chinesas e bielo-russas, por exemplo, constroem moradias para o
maior programa habitacional do país, o Gran Misión Vivienda Venezuela,
inspirado no brasileiro Minha Casa Minha Vida.
O
Brasil "virou uma Venezuela"?
Esta afirmação não faz
sentido. O Brasil é parceiro econômico e estratégico da Venezuela, mas as
diretrizes do governo Dilma e do governo de Nicolás Maduro são bastante
distintas, tanto na retórica quanto na prática.
Os
conselhos populares são bolivarianos?
Não, e aqui o engano vai
além do uso equivocado do adjetivo. Parte da Política Nacional de Participação
Social, os conselhos populares seriam a base de um complexo sistema de
participação social, com a finalidade de aprofundar o debate sobre políticas
públicas com representantes da sociedade civil. Ao contrário do alegado por
opositores, os conselhos de participação popular não são uma afronta à
democracia representativa. Conforme observou o ex-ministro e fundador do PSDB
Luiz Carlos Bresser-Pereira, os conselhos estabeleceriam “um mecanismo mais
formal por meio do qual o governo poderá ouvir melhor as demandas e propostas
[da população]”.
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