Opinião é do economista Adhemar Mineiro, especialista em relações internacionais. Mundo está instável como na época pré-crise de 2008
Roberto Parizotti Adhemar Mineiro: apostar mais nos mercados externos é alto risco
A queda-de-braço entre a Troika (Banco Central Europeu, FMI e a União
Européia) e a Grécia está para ser decidida em alguns dias. O prazo está
se esgotando. Embora seja impossível fazer prognósticos precisos,
algumas possibilidades podem ser imaginadas, a depender do resultado das
negociações.
De um lado, a Grécia quer renegociar os termos do pagamento da dívida, e
o partido no poder, o Syriza, diz não aceitar novos cortes nas
aposentadorias ou aumento de preços de energia, entre outras cláusulas
de austeridade fiscal. Do outro, a Troika, querendo que a cartilha do
superávit primário e do pagamento das dívidas esteja acima das questões
nacionais.
Se a Grécia ganhar pontos, ou sair da Zona do Euro e se afastar da
União Europeia, pode produzir alterações no eixo geopolítico e
aproximá-la do BRIC’s e, portanto, da China e da Rússia.
Porém, talvez a maior lição a ser tirada do caso é que o mundo
continua, segundo Adhemar Mineiro, economista do Dieese estudioso de
questões internacionais, em níveis críticos como os observados momentos
antes da eclosão da crise de 2008. E que, por isso, em lugar de se
deixar contaminar pelas instabilidades externas, o Brasil deve priorizar
seu mercado interno.
"É necessário que a gente veja que é dentro dessa situação,
de um mundo em crise e muito fragilizado financeiramente, independente
da questão grega, que vamos continuar nos próximos anos. Você continua
com uma crise financeira que alguns analistas dizem que pode ter se
agudizado em relação a 2008"( Adhemar Mineiro).
As negociações entre CE e Grécia ainda não foram concluídas. É
possível fazer algum prognóstico, alguma aposta sobre o resultado dessas
negociações?
É difícil, porque os dois lados neste momento vão fazer apostas.
Estamos numa sexta-feira, as negociações foram suspensas ontem à noite e
devem ser retomadas amanhã, no sábado. Você tem de um lado a delegação
da União Europeia, que é representada pela Troika, que faz uma aposta no
sentido de pressionar a Grécia, por achar que se a Grécia sai da Zona
do Euro, isso não terá um grande impacto já que eles já tomaram medidas
no sentido de que a turbulência financeira não seja tão grande.
Que medidas foram essas?
Medidas de colocar recursos à disposição dos bancos da UE que sejam
sacudidos, até pela política de expansão monetária que o Banco Central
Europeu já vem tomando há algum tempo. Então, a aposta deles é que a
crise fique circunscrita à Grécia. Muitos analistas do mercado
financeiro dizem que essa aposta europeia é muito arriscada, porque, lá
atrás, o governo americano teria feito a avaliação que a crise de 2008
ficaria circunscrita ao Lehman Brothers quando o banco quebrou e, logo o
que se viu é que a crise se espalhou por todo o mundo. Essa é uma
primeira discussão. E outros analistas, como o Martin Wolff, analista
antigo do Financial Times, relativamente confiável, diz que a saída, que
o fato de a União Europeia deixar a Grécia quebrar pode sinalizar aos
outros países de que eles não podem contar com a União Europeia em
momentos de dificuldade. Então, isso enfraqueceria o bloco, de alguma
maneira. E a gente sabe que aí existe um calendário político. Lá na
frente já há sinalizações regionais, o Podemos na Espanha pode querer
mudar a política, e a Espanha é economicamente muito maior que a Grécia.
Mesmo que o problema agora ficar circunscrito à Grécia, será possível
usar a mesma tática com um país como a Espanha?
Do ponto de vista grego, também há um problema grave. Os eleitores que
escolheram essa frente, o Syriza, por um lado deram um mandato que
apontava o fim da austeridade, e por outro querem se manter na Zona do
Euro. Ou seja, é um mandato ambíguo. Contando que têm uma maioria
relativamente frágil...
Maioria no parlamento?
No parlamento, então, isso pode colocar problemas. Não é uma situação
sem riscos para ambos os lados, neste momento. Agora, as exigências que a
União Europeia faz parecem inaceitáveis do ponto de vista dos gregos.
Em toda negociação em política econômica, eu costumo dizer que o
substantivo é a política, econômica é o adjetivo. A União Europeia diz
que quer o ajuste fiscal e a Grécia diz que pode fazê-lo tributando os
mais ricos, os hotéis, as corporações. Porém, os representantes da União
dizem ‘queremos que vocês façam uma reforma do sistema previdenciário’ e
aí os gregos dizem não, as pensões já foram cortadas, não aceitamos
mais mudanças.
Por que os cortes nas aposentadorias deixarão na miséria toda uma geração de meia-idade hoje sem emprego.
Você já teve mudanças recentes nas aposentadorias aceitas pelos
governos conservadores. Volta aquele problema: a maioria deu um mandato
para o Syriza para não permitir esse tipo de coisa. O governo também
argumenta que se permanece esse tipo de reforma, corta aposentadoria,
corta pensões, a Grécia vai continuar não crescendo. A gente tem de
lembrar o seguinte: essa política foi feita, teoricamente, entre aspas,
para reduzir o peso da dívida grega, mas nos últimos anos o que
aconteceu foi que a Grécia reduziu em cerca de 25% seu PIB, ou seja, deu
uma marcha à ré bastante expressiva. A gente sabe o que isso significa,
uma situação política extremamente difícil. Por outro lado, mesmo
administrando um recuo de 25% do PIB em cinco anos, a dívida grega em
Um beco sem saída.
Você aumentou o endividamento grego. Se você está medindo a relação
dívida/PIB, só isso matematicamente já mataria. A dívida remunerada pela
taxa de juros e o país não está crescendo, a dívida cresce. É o que vai
acontecer este ano no Brasil. À medida que você não cresce, a relação
dívida/PIB cresce, ainda mais a dívida sendo remunerada por uma taxa de
13%. A arrecadação cai, então no final do ano provavelmente a relação
dívida/PIB vai crescer.
Isso parece muito óbvio, especialmente dito por um especialista
como você. Por que, apesar disso, essa receita continua sendo adotada?
Porque não se trata de uma receita econômica, se trata de atender os
aplicadores financeiros, então, todo esse ajuste grego, de novo entre
aspas, é para garantir o retorno desses aplicadores. O Banco Central
Europeu e o FMI estão negociando em nome desses credores. É garantir a
remuneração desses credores antes de qualquer coisa.
Você tem ideia de qual o número aproximado desses credores? São centenas, talvez?
Olha, isso é difícil de saber. A gente na verdade vai saber quando e se
a bomba explodir, como aconteceu no caso do Lehman Brothers. Quem é que
está com esses títulos gregos? Agora, a experiência que a gente tem no
passado é que são sempre os grandes bancos e grandes fundos
institucionais, e aí quando você entra nos fundos institucionais isso
acaba envolvendo milhares de pessoas que colocam seu dinheiro no banco
ou num fundo de pensão sem saber exatamente onde será aplicado. O banco
costuma só te perguntar se você é um aplicador agressivo ou conservador.
Você nunca vai olhar em que tipo de papel você está aplicando.
No caso da Grécia, se ela sair da União Europeia vai passar por
tempos de dificuldade, mas eles já estão sofrendo. A saída não pode
apontar uma alternativa ou será uma situação mais dramática que a atual?
Aparentemente, o que está colocado hoje não é eles saírem da União
Europeia, é eles deixarem a moeda comum. Há vários países que estão na
União Europeia e não têm moeda comum, como é o caso da Inglaterra, que
mantém a libra, dos suecos e dos dinamarqueses que mantém suas coroas,
então você tem essa diferença. O que está colocado é a Grécia recuar da
união monetária e voltar a circular sua moeda antiga, o dracma. Isso num
primeiro momento representa uma mudança econômica no interior da
Grécia. Os gregos que hoje recebem um dinheiro que tem circulação em
todo o continente, que teoricamente é uma moeda forte. Terão acesso a
essa moeda forte quem for exportador. Isso envolve todo o setor de
turismo e os eventuais exportadores. O efeito lá dentro não tem, porque
as coisas vão voltar a funcionar na antiga moeda grega: os pagamentos
aos funcionários públicos, às aposentadorias. A grande questão são as
importações. Você não vai ter moeda internacional para importar
produtos. Mas isso a Grécia já vem negociando. Você tem aí uma
diplomacia oculta. Os dois principais problemas para os gregos seriam a
importação de energia, a Grécia é importadora de petróleo, e o impacto
na importação de remédios. Existem fábricas de medicamentos na
Grécia,mas os insumos são importados. Na área de energia, a gente viu a
movimentação do primeiro ministro grego em várias reuniões com os
russos, que são grandes fornecedores de petróleo e gás. Aliás,
recentemente a Grécia anunciou um acordo de gás com os russos, mas pode
ser que ela seja abastecida de petróleo também pelos russos, com algum
tipo de acerto financeiro com os russos.
Porque é preciso uma moeda aceita em transações internacionais.
O euro é aceito. Assim como o real, o dracma, se voltar, não é aceito
em transações internacionais. O país tem de comprar ou dólares ou euros
para importar, ou ter saldo nas balanças comerciais ou de pagamento. E
os gregos também podem – e a gente viu as movimentações dos gregos na
reunião da União Europeia e a Celac (Cúpula das Comunidades dos Estados Latinoamericanos),
quando o primeiro ministro se reuniu com a Dilma, por exemplo – fazer
conversas com os países BRIC’s. Nesses países BRIC’s há um grande
produtor de medicamentos que é a Índia. Então, talvez, a gente nunca
sabe qual é a diplomacia oculta, tenha alguma conversa para evitar o
pior.
Mas se essa movimentação da Grécia apontar lá na frente uma
aproximação com os BRIC’s ou com blocos como Mercosul, por exemplo, em
busca de novos parceiros, isso pode ser positivo, pois vai deslocando o
eixo geopolítico, não?
Esse é outro cálculo que a União Europeia tem de fazer. A gente sabe
que dos países BRIC’s quem tem dinheiro é a China, os outros não tem
propriamente dinheiro para bancar os gregos. Se a China entra com
dinheiro na Grécia, os europeus correm um risco. Há certas decisões no
interior da União Europeia que têm de ser tomadas por consenso. E
existiria o risco de a China negociar um voto. Olha o risco político. Se
eles deixam a Grécia à deriva, pode ser que alguém banque. E se alguém
bancar, passa a ter influência nas decisões do bloco.
Essa questão do voto seria um voto indireto, via Grécia.
Em questões que podem interferir nos interesses chineses, ou mesmo
russos, se eles entrarem forte, os gregos podem passar a consultar a
China ou a Rússia. Várias questões que envolvem segurança têm de ser
decididas por consenso, e nós sabemos que há um problema na Ucrânia
nesse momento. Isso pode envolver que os gregos, que já não são muito
favoráveis à OTAN, podem se tornar um problema, até para a OTAN.
Todas essas coisas pesam a favor da decisão da Grécia em não pagar a dívida nos termos impostos pela Troika.
É como estou dizendo, a decisão é iminentemente política. Implícita ou explicitamente, todos estão dentro de um jogo.
Uma derrota, ainda que parcial, dessa tese da autoridade
fiscal, no caso grego, poderia provocar uma reação em cadeia, de forma a
colocar outros países numa posição contrária a essa ideia de pagar
dívida acima de qualquer prioridade?
Aí é outro problema político que está colocado. A hegemonia hoje é uma
hegemonia conservadora, em matéria de economia mais ainda, e a União
Europeia seria cobrada por outros países que suaram para levar adiante
essa política de austeridade, caso de grandes como Espanha e Itália, mas
você tem também Portugal, Irlanda e outros, como os países bálticos,
que tiverem de administrar retrocessos grandes em termos de PIB. Eles
vão perguntar ‘por que isso está sendo exigido de nós e da Grécia não?’.
Vai abrir caminho para um processo de renegociação. Em um momento em
que essa busca de alternativas, como o Podemos na Espanha, está na
agenda.
Como está neste momento a atuação sindical na Grécia? Os sindicatos estariam prontos para enfrentar esse cenário de rompimento?
A gente sabe que num processo recessivo o movimento sindical perde
força. Por outro lado, na parte sindical, existe a forte presença do
Partido Comunista Grego, que tem uma política francamente antieuropeia. É
inclusive contra a permanência na União Europeia, e não quis participar
da coalizão com o Syriza por achá-lo muito conservador neste ponto. Uma
coisa como essa vai colocar ainda mais tensão no movimento sindical.
Em anos recentes, o Brasil foi muito criticado em sua política
externa por, supostamente, se meter onde não era chamado ou opinar sobre
temas que não seriam de sua alçada. Desta vez, no caso grego, não houve
nenhum posicionamento claro do governo. O que você pensa disso?
Primeiro, eu acho que houve esse movimento. A presidenta Dilma se
encontrou em Bruxelas com o primeiro ministro grego na reunião da Cúpula
Econômica Europeia/Celac. Talvez com perfil mais baixo do que se faria
em outros momentos, mas o Brasil não está ausente nessa discussão. E eu
acho que um país que é a sexta ou sétima economia do mundo, dependendo
da questão de câmbio ou de como se desenvolve a economia da Inglaterra,
que disputa conosco essas posições, e com o nível de incidência global
muito forte, tem de se preocupar com essa questão. Evidentemente, uma
turbulência na União Europeia afeta o Brasil, e a Grécia é um país-chave
de entrada para o Oriente Médio e a África. Acho que o governo
brasileiro tem se preocupado com essa questão, claro que essa não é a
prioridade, dada nossas condições internas. E outra coisa que já
falamos: qualquer possibilidade de ajuda ou parceria com a Grécia vai
vir do lado dos BRIC’s. Agora em julho tem encontro dos BRIC’s para
definir o fundo de reserva e o funcionamento do banco do bloco.
Os BRIC’s podem então ser um porto seguro.
Podem ter um envolvimento. E pelo que vimos, o primeiro ministro grego
se reuniu recentemente com a presidente Dilma e o presidente Putin (Vladimir, presidente russo).
Quer acrescentar algo?
O que eu acho importante de as pessoas reterem é que o mundo ainda está
funcionando sobre o quadro da crise de 2007 e 2008. Então, por mais que
o mundo financeiro diga que essa crise já passou, ela ainda está
fazendo parte, do ponto de vista produtivo, do ponto de vista
geopolítico, das decisões que ainda estão sendo tomadas. É necessário
que a gente veja que é dentro dessa situação, de um mundo em crise e
muito fragilizado financeiramente, independente da questão grega, que
essa situação vai continuar nos próximos anos. Você continua com uma
crise financeira que alguns analistas dizem que pode ter se agudizado em
relação a 2008. O problema que a gente tinha lá atrás era o
descolamento da riqueza financeira e a riqueza real do mundo, e num
primeiro momento houve recomendações para o controle dos capitais. Mas
logo depois houve uma política de expansão monetária tanto nos Estados
Unidos quanto na Europa que acabou elevando novamente esse capital
fictício. E a gente não sabe que dimensão tem isso hoje em dia. O que a
gente sabe é que algumas bolsas voltaram ao nível pré-2007 e isso
significa que esse capital especulativo se multiplicou de novo. Nós
podemos estar como estávamos lá, na beira da crise de 2008.
Podemos estar na iminência de um novo 2008?
Não sei se isso é tão iminente, porque os países aprendem lições com a
crise. Mas seguramente você está numa situação de instabilidade parecida
e todo o discurso que houve, nos primeiros documentos do G-20 após a
crise, falava de controle de capitais e tudo mais, foi tudo esquecido.
Continuamos com pés de barro, então?
Exatamente. Por isso, eventos desse como o da Grécia acabam tendo uma
repercussão muito maior. A gente não sabe a capacidade de a quebra da
Grécia contaminar todo o mundo financeiro. E há outra preocupação para a
economia brasileira: quanto mais um país se voltar para países que
estão em crise, estão instáveis, mais você vai trazer instabilidade para
dentro do país. Então, quem fala que o Brasil tem que apostar mais nos
mercados externos, mais em acordos comerciais, mais em
internacionalização financeira, na verdade defende uma aposta de risco e
trazendo aqui para dentro essa instabilidade lá de fora.
Então é nos concentramos mais no mercado interno?
Como foi feito em 2008 e 2009, voltar a apostar no mercado interno, do
crescimento da produção aqui dentro, investir em projetos aqui dentro,
porque a gente tem muita coisa para fazer em termos de construir um
país. Em termos de políticas sociais, montar infraestrutura, reforma
urbana, transporte, saneamento, habitação, reforma agrária, uma agenda
inteira que pode nos dar 15 anos de crescimento.
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