segunda-feira, 29 de junho de 2015

Crise grega indica que o Brasil deve priorizar seu mercado interno

Opinião é do economista Adhemar Mineiro, especialista em relações internacionais. Mundo está instável como na época pré-crise de 2008



Roberto Parizotti Adhemar Mineiro: apostar mais nos mercados externos é alto risco


A queda-de-braço entre a Troika (Banco Central Europeu, FMI e a União Européia) e a Grécia está para ser decidida em alguns dias. O prazo está se esgotando. Embora seja impossível fazer prognósticos precisos, algumas possibilidades podem ser imaginadas, a depender do resultado das negociações.

De um lado, a Grécia quer renegociar os termos do pagamento da dívida, e o partido no poder, o Syriza, diz não aceitar novos cortes nas aposentadorias ou aumento de preços de energia, entre outras cláusulas de austeridade fiscal. Do outro, a Troika, querendo que a cartilha do superávit primário e do pagamento das dívidas esteja acima das questões nacionais.

Se a Grécia ganhar pontos, ou sair da Zona do Euro e se afastar da União Europeia, pode produzir alterações no eixo geopolítico e aproximá-la do BRIC’s e, portanto, da China e da Rússia.

Porém, talvez a maior lição a ser tirada do caso é que o mundo continua, segundo Adhemar Mineiro, economista do Dieese estudioso de questões internacionais, em níveis críticos como os observados momentos antes da eclosão da crise de 2008. E que, por isso, em lugar de se deixar contaminar pelas instabilidades externas, o Brasil deve priorizar seu mercado interno.
 
"É necessário que a gente veja que é dentro dessa situação, de um mundo em crise e muito fragilizado financeiramente, independente da questão grega, que vamos continuar nos próximos anos. Você continua com uma crise financeira que alguns analistas dizem que pode ter se agudizado em relação a 2008"( Adhemar Mineiro).
 
As negociações entre CE e Grécia ainda não foram concluídas. É possível fazer algum prognóstico, alguma aposta sobre o resultado dessas negociações?

É difícil, porque os dois lados neste momento vão fazer apostas. Estamos numa sexta-feira, as negociações foram suspensas ontem à noite e devem ser retomadas amanhã, no sábado. Você tem de um lado a delegação da União Europeia, que é representada pela Troika, que faz uma aposta no sentido de pressionar a Grécia, por achar que se a Grécia sai da Zona do Euro, isso não terá um grande impacto já que eles já tomaram medidas no sentido de que a turbulência financeira não seja tão grande.
Que medidas foram essas?

Medidas de colocar recursos à disposição dos bancos da UE que sejam sacudidos, até pela política de expansão monetária que o Banco Central Europeu já vem tomando há algum tempo. Então, a aposta deles é que a crise fique circunscrita à Grécia. Muitos analistas do mercado financeiro dizem que essa aposta europeia é muito arriscada, porque, lá atrás, o governo americano teria feito a avaliação que a crise de 2008 ficaria circunscrita ao Lehman Brothers quando o banco quebrou e, logo o que se viu é que a crise se espalhou por todo o mundo. Essa é uma primeira discussão. E outros analistas, como o Martin Wolff, analista antigo do Financial Times, relativamente confiável, diz que a saída, que o fato de a União Europeia deixar a Grécia quebrar pode sinalizar aos outros países de que eles não podem contar com a União Europeia em momentos de dificuldade. Então, isso enfraqueceria o bloco, de alguma maneira. E a gente sabe que aí existe um calendário político. Lá na frente já há sinalizações regionais, o Podemos na Espanha pode querer mudar a política, e a Espanha é economicamente muito maior que a Grécia. Mesmo que o problema agora ficar circunscrito à Grécia, será possível usar a mesma tática com um país como a Espanha?

Do ponto de vista grego, também há um problema grave. Os eleitores que escolheram essa frente, o Syriza, por um lado deram um mandato que apontava o fim da austeridade, e por outro querem se manter na Zona do Euro. Ou seja, é um mandato ambíguo. Contando que têm uma maioria relativamente frágil...

Maioria no parlamento?

No parlamento, então, isso pode colocar problemas. Não é uma situação sem riscos para ambos os lados, neste momento. Agora, as exigências que a União Europeia faz parecem inaceitáveis do ponto de vista dos gregos. Em toda negociação em política econômica, eu costumo dizer que o substantivo é a política, econômica é o adjetivo. A União Europeia diz que quer o ajuste fiscal e a Grécia diz que pode fazê-lo tributando os mais ricos, os hotéis, as corporações. Porém, os representantes da União dizem ‘queremos que vocês façam uma reforma do sistema previdenciário’ e aí os gregos dizem não, as pensões já foram cortadas, não aceitamos mais mudanças.

Por que os cortes nas aposentadorias deixarão na miséria toda uma geração de meia-idade hoje sem emprego.

Você já teve mudanças recentes nas aposentadorias aceitas pelos governos conservadores. Volta aquele problema: a maioria deu um mandato para o Syriza para não permitir esse tipo de coisa. O governo também argumenta que se permanece esse tipo de reforma, corta aposentadoria, corta pensões, a Grécia vai continuar não crescendo. A gente tem de lembrar o seguinte: essa política foi feita, teoricamente, entre aspas, para reduzir o peso da dívida grega, mas nos últimos anos o que aconteceu foi que a Grécia reduziu em cerca de 25% seu PIB, ou seja, deu uma marcha à ré bastante expressiva. A gente sabe o que isso significa, uma situação política extremamente difícil. Por outro lado, mesmo administrando um recuo de 25% do PIB em cinco anos, a dívida grega em  

Um beco sem saída.

Você aumentou o endividamento grego. Se você está medindo a relação dívida/PIB, só isso matematicamente já mataria. A dívida remunerada pela taxa de juros e o país não está crescendo, a dívida cresce. É o que vai acontecer este ano no Brasil. À medida que você não cresce, a relação dívida/PIB cresce, ainda mais a dívida sendo remunerada por uma taxa de 13%. A arrecadação cai, então no final do ano provavelmente a relação dívida/PIB vai crescer.

Isso parece muito óbvio, especialmente dito por um especialista como você. Por que, apesar disso, essa receita continua sendo adotada?

Porque não se trata de uma receita econômica, se trata de atender os aplicadores financeiros, então, todo esse ajuste grego, de novo entre aspas, é para garantir o retorno desses aplicadores. O Banco Central Europeu e o FMI estão negociando em nome desses credores. É garantir a remuneração desses credores antes de qualquer coisa.

Você tem ideia de qual o número aproximado desses credores? São centenas, talvez?

Olha, isso é difícil de saber. A gente na verdade vai saber quando e se a bomba explodir, como aconteceu no caso do Lehman Brothers. Quem é que está com esses títulos gregos? Agora, a experiência que a gente tem no passado é que são sempre os grandes bancos e grandes fundos institucionais, e aí quando você entra nos fundos institucionais isso acaba envolvendo milhares de pessoas que colocam seu dinheiro no banco ou num fundo de pensão sem saber exatamente onde será aplicado. O banco costuma só te perguntar se você é um aplicador agressivo ou conservador. Você nunca vai olhar em que tipo de papel você está aplicando.

No caso da Grécia, se ela sair da União Europeia vai passar por tempos de dificuldade, mas eles já estão sofrendo. A saída não pode apontar uma alternativa ou será uma situação mais dramática que a atual?

Aparentemente, o que está colocado hoje não é eles saírem da União Europeia, é eles deixarem a moeda comum. Há vários países que estão na União Europeia e não têm moeda comum, como é o caso da Inglaterra, que mantém a libra, dos suecos e dos dinamarqueses que mantém suas coroas, então você tem essa diferença. O que está colocado é a Grécia recuar da união monetária e voltar a circular sua moeda antiga, o dracma. Isso num primeiro momento representa uma mudança econômica no interior da Grécia. Os gregos que hoje recebem um dinheiro que tem circulação em todo o continente, que teoricamente é uma moeda forte. Terão acesso a essa moeda forte quem for exportador. Isso envolve todo o setor de turismo e os eventuais exportadores. O efeito lá dentro não tem, porque as coisas vão voltar a funcionar na antiga moeda grega: os pagamentos aos funcionários públicos, às aposentadorias. A grande questão são as importações. Você não vai ter moeda internacional para importar produtos. Mas isso a Grécia já vem negociando. Você tem aí uma diplomacia oculta. Os dois principais problemas para os gregos seriam a importação de energia, a Grécia é importadora de petróleo, e o impacto na importação de remédios. Existem fábricas de medicamentos na Grécia,mas os insumos são importados. Na área de energia, a gente viu a movimentação do primeiro ministro grego em várias reuniões com os russos, que são grandes fornecedores de petróleo e gás. Aliás, recentemente a Grécia anunciou um acordo de gás com os russos, mas pode ser que ela seja abastecida de petróleo também pelos russos, com algum tipo de acerto financeiro com os russos.

Porque é preciso uma moeda aceita em transações internacionais.

O euro é aceito. Assim como o real, o dracma, se voltar, não é aceito em transações internacionais. O país tem de comprar ou dólares ou euros para importar, ou ter saldo nas balanças comerciais ou de pagamento. E os gregos também podem – e a gente viu as movimentações dos gregos na reunião da União Europeia e a Celac (Cúpula das Comunidades dos Estados Latinoamericanos), quando o primeiro ministro se reuniu com a Dilma, por exemplo – fazer conversas com os países BRIC’s. Nesses países BRIC’s há um grande produtor de medicamentos que é a Índia. Então, talvez, a gente nunca sabe qual é a diplomacia oculta, tenha alguma conversa para evitar o pior.

Mas se essa movimentação da Grécia apontar lá na frente uma aproximação com os BRIC’s ou com blocos como Mercosul, por exemplo, em busca de novos parceiros, isso pode ser positivo, pois vai deslocando o eixo geopolítico, não?

Esse é outro cálculo que a União Europeia tem de fazer. A gente sabe que dos países BRIC’s quem tem dinheiro é a China, os outros não tem propriamente dinheiro para bancar os gregos. Se a China entra com dinheiro na Grécia, os europeus correm um risco. Há certas decisões no interior da União Europeia que têm de ser tomadas por consenso. E existiria o risco de a China negociar um voto. Olha o risco político. Se eles deixam a Grécia à deriva, pode ser que alguém banque. E se alguém bancar, passa a ter influência nas decisões do bloco.

Essa questão do voto seria um voto indireto, via Grécia.

Em questões que podem interferir nos interesses chineses, ou mesmo russos, se eles entrarem forte, os gregos podem passar a consultar a China ou a Rússia. Várias questões que envolvem segurança têm de ser decididas por consenso, e nós sabemos que há um problema na Ucrânia nesse momento. Isso pode envolver que os gregos, que já não são muito favoráveis à OTAN, podem se tornar um problema, até para a OTAN.

Todas essas coisas pesam a favor da decisão da Grécia em não pagar a dívida nos termos impostos pela Troika.

É como estou dizendo, a decisão é iminentemente política. Implícita ou explicitamente, todos estão dentro de um jogo.

Uma derrota, ainda que parcial, dessa tese da autoridade fiscal, no caso grego, poderia provocar uma reação em cadeia, de forma a colocar outros países numa posição contrária a essa ideia de pagar dívida acima de qualquer prioridade?

Aí é outro problema político que está colocado. A hegemonia hoje é uma hegemonia conservadora, em matéria de economia mais ainda, e a União Europeia seria cobrada por outros países que suaram para levar adiante essa política de austeridade, caso de grandes como Espanha e Itália, mas você tem também Portugal, Irlanda e outros, como os países bálticos, que tiverem de administrar retrocessos grandes em termos de PIB. Eles vão perguntar ‘por que isso está sendo exigido de nós e da Grécia não?’.  Vai abrir caminho para um processo de renegociação. Em um momento em que essa busca de alternativas, como o Podemos na Espanha, está na agenda.

Como está neste momento a atuação sindical na Grécia? Os sindicatos estariam prontos para enfrentar esse cenário de rompimento?

A gente sabe que num processo recessivo o movimento sindical perde força. Por outro lado, na parte sindical, existe a forte presença do Partido Comunista Grego, que tem uma política francamente antieuropeia. É inclusive contra a permanência na União Europeia, e não quis participar da coalizão com o Syriza por achá-lo muito conservador neste ponto. Uma coisa como essa vai colocar ainda mais tensão no movimento sindical.

Em anos recentes, o Brasil foi muito criticado em sua política externa por, supostamente, se meter onde não era chamado ou opinar sobre temas que não seriam de sua alçada. Desta vez, no caso grego, não houve nenhum posicionamento claro do governo. O que você pensa disso?

Primeiro, eu acho que houve esse movimento. A presidenta Dilma se encontrou em Bruxelas com o primeiro ministro grego na reunião da Cúpula Econômica Europeia/Celac. Talvez com perfil mais baixo do que se faria em outros momentos, mas o Brasil não está ausente nessa discussão. E eu acho que um país que é a sexta ou sétima economia do mundo, dependendo da questão de câmbio ou de como se desenvolve a economia da Inglaterra, que disputa conosco essas posições, e com o nível de incidência global muito forte, tem de se preocupar com essa questão. Evidentemente, uma turbulência na União Europeia afeta o Brasil, e a Grécia é um país-chave de entrada para o Oriente Médio e a África. Acho que o governo brasileiro tem se preocupado com essa questão, claro que essa não é a prioridade, dada nossas condições internas. E outra coisa que já falamos: qualquer possibilidade de ajuda ou parceria com a Grécia vai vir do lado dos BRIC’s. Agora em julho tem encontro dos BRIC’s para definir o fundo de reserva e o funcionamento do banco do bloco.

Os BRIC’s podem então ser um porto seguro.

Podem ter um envolvimento. E pelo que vimos, o primeiro ministro grego se reuniu recentemente com a presidente Dilma e o presidente Putin (Vladimir, presidente russo).

Quer acrescentar algo?

O que eu acho importante de as pessoas reterem é que o mundo ainda está funcionando sobre o quadro da crise de 2007 e 2008. Então, por mais que o mundo financeiro diga que essa crise já passou, ela ainda está fazendo parte, do ponto de vista produtivo, do ponto de vista geopolítico, das decisões que ainda estão sendo tomadas. É necessário que a gente veja que é dentro dessa situação, de um mundo em crise e muito fragilizado financeiramente, independente da questão grega, que essa situação vai continuar nos próximos anos. Você continua com uma crise financeira que alguns analistas dizem que pode ter se agudizado em relação a 2008. O problema que a gente tinha lá atrás era o descolamento da riqueza financeira e a riqueza real do mundo, e num primeiro momento houve recomendações para o controle dos capitais. Mas logo depois houve uma política de expansão monetária tanto nos Estados Unidos quanto na Europa que acabou elevando novamente esse capital fictício. E a gente não sabe que dimensão tem isso hoje em dia. O que a gente sabe é que algumas bolsas voltaram ao nível pré-2007 e isso significa que esse capital especulativo se multiplicou de novo. Nós podemos estar como estávamos lá, na beira da crise de 2008.

Podemos estar na iminência de um novo 2008?

Não sei se isso é tão iminente, porque os países aprendem lições com a crise. Mas seguramente você está numa situação de instabilidade parecida e todo o discurso que houve, nos primeiros documentos do G-20 após a crise, falava de controle de capitais e tudo mais, foi tudo esquecido.

Continuamos com pés de barro, então?

Exatamente. Por isso, eventos desse como o da Grécia acabam tendo uma repercussão muito maior. A gente não sabe a capacidade de a quebra da Grécia contaminar todo o mundo financeiro. E há outra preocupação para a economia brasileira: quanto mais um país se voltar para países que estão em crise, estão instáveis, mais você vai trazer instabilidade para dentro do país. Então, quem fala que o Brasil tem que apostar mais nos mercados externos, mais em acordos comerciais, mais em internacionalização financeira, na verdade defende uma aposta de risco e trazendo aqui para dentro essa instabilidade lá de fora.

Então é nos concentramos mais no mercado interno?

Como foi feito em 2008 e 2009, voltar a apostar no mercado interno, do crescimento da produção aqui dentro, investir em projetos aqui dentro, porque a gente tem muita coisa para fazer em termos de construir um país. Em termos de políticas sociais, montar infraestrutura, reforma urbana, transporte, saneamento, habitação, reforma agrária, uma agenda inteira que pode nos dar 15 anos de crescimento.


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