No Brasil, a defesa da
regulação do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição, porém
nunca aplicado, restringe-se ao campo da esquerda. Diante de um Congresso
majoritariamente conservador, o governo petista não parece disposto a enfrentar
os obstáculos políticos para avançar na taxação sobre as maiores riquezas do
País. A exemplo de outras matérias constitucionais não reguladas pelo
Congresso, a discussão foi parar no Supremo Tribunal Federal.
Na segunda-feira 16, o
governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, ingressou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade por conta da omissão do Congresso na apreciação do tema.
Por meio de uma liminar, Dino pede ao STF a fixação do prazo de 180 dias para o
Parlamento regulamentar o imposto. Caso contrário, a Corte se tornaria a
responsável por apontar quais regras deveriam ser aplicadas a partir de 2016.
À primeira vista, parece
estranho um governador estadual se debruçar sobre um tema pertinente à União. O
argumento de Dino repousa, porém, sobre a forte dependência no Maranhão aos
repasses federais, que variam conforme a arrecadação. O governador cita os recursos
do Sistema Único de Saúde e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,
cujos valores distribuídos aos estados são estabelecidos a partir de
porcentagens compulsórias. Com a menor arrecadação da União, as unidades da
federação mais pobres têm menor poder de investimento em políticas públicas. O
ajuste fiscal promovido pelo ministro Joaquim Levy também restringe os
investimentos federais nos estados.
Na ação, Dino sugere a
aplicação pelo STF das regras previstas no projeto de lei de sua colega de
partido, a deputada federal Jandira Feghali. A proposta prevê a taxação de
fortunas superiores a 4 milhões de reais, com alíquotas progressivas de 0,4% a
2,1%. O primeiro projeto sobre o tema, apresentado em 1989 pelo então senador
Fernando Henrique Cardoso, é mais radical. O texto sugere a taxação de fortunas
superiores a 2 milhões de cruzados novos, cerca de 1 milhão de reais em valores
atualizados. Aprovado no Senado, o projeto de FHC está estacionado há 15 anos
na Câmara dos Deputados. “Sugeri aplicar o projeto da deputada Jandira, pois é
o mais moderado”, afirma Dino a CartaCapital. “Alíquotas muito altas podem
desestimular a atividade econômica ou até incentivar a fuga de patrimônio.”
Os críticos ao imposto
costumam citar essa preocupação. O caso do vazamento das contas do HSBC da
Suíça, conduzido pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo,
reforça o temor. Por cobrar altos valores nos impostos sobre a renda, a fortuna
e o patrimônio, a França é o segundo país com maior número de correntistas na
lista, atrás apenas da própria Suíça.
O Brasil foge à regra.
Embora os impostos diretos sejam baixos, o País é o quarto na lista do HSBC.
Divulgada a conta-gotas pelo repórter Fernando Rodrigues, do UOL, e mais
recentemente pelo jornal O Globo, a lista de brasileiros com contas no banco
entre 2006 e 2007 inclui grandes empresários do setor de transportes,
empreiteiros envolvidos na Operação Lava Jato e falecidos barões da mídia,
entre eles Octávio Frias de Oliveira, fundador do Grupo Folha, João Jorge Saad,
criador da Rede Bandeirantes, e Lily Marinho, viúva de Roberto Marinho, das
Organizações Globo.
Comparada à realidade fiscal
da França, a posição do Brasil na lista surpreende. Além de não taxar as
fortunas, os impostos sobre renda e herança são bem mais modestos. A alíquota
máxima do imposto de renda na França é de 45%. No Brasil, o teto é de 27,5%.
Grande parte da arrecadação
brasileira consiste em impostos sobre circulação de mercadorias, bens e
serviços, responsáveis por 45% do total da receita, que atingem em maior
proporção os contribuintes de menor renda. Além da renúncia fiscal em relação
às fortunas, o Brasil tributa de forma pífia a renda e a herança. Hoje sob
responsabilidade dos estados, o Imposto de Transmissão Causa mortis e Doação
apresenta uma alíquota média de 3,86%, estima a consultoria Ernst & Young.
Na França, chega a 60%. O Brasil também não cobra imposto de renda sobre os
lucros e dividendos distribuídos por empresas a seus sócios e funcionários.
O pesquisador Fernando Gaiger,
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, defende que um aumento nos
impostos sobre herança e a tributação dos lucros e dividendos seria mais
eficiente. Gaiger sugere um sistema de alíquotas para o ITD semelhante ao do
IR, com taxação de até 80% sobre heranças superiores a 10 bilhões de dólares. A
respeito da possibilidade de elevação das alíquotas do IR no Brasil, Gaiger
afirma que é mais importante taxar os lucros e dividendos. “No momento atual,
criar uma faixa de 45% para rendas mais altas vai afetar principalmente
funcionários públicos”, afirma, ao lembrar a proliferação dos contratos de
serviço com pessoas jurídicas nas empresas brasileiras. De acordo com o
pesquisador, a tributação sobre as fortunas gera “muito esforço e poucos
resultados”.
Dino sabe que sua proposta
dificilmente prosperará no STF. Ainda assim, não vê ambiente político no Brasil
para mudanças de fôlego, em especial aquelas que demandem a aprovação do
Congresso, entre elas a taxação de heranças pela União. “Nesse clima contaminado,
é inviável imaginar que algo de maior profundidade vá ocorrer”, analisa.
“Achamos que é fundamental os mais ricos contribuírem com o ajuste fiscal. Para
tanto, o Imposto sobre Grandes Fortunas é o caminho mais rápido.” Rápido, porém
incerto
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