Por Marcelo Pellegrini
A eleição do Congresso mais
conservador desde a redemocratização está prestes a produzir seu primeiro
resultado. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta
terça-feira 31 a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a
maioridade penal de 18 para 16 anos.
A proposta estava engavetada
desde 1993 na CCJ, mas agora é considerada prioridade para a bancada da bala,
que é formada por parlamentares ligados a forças de segurança pública e cresceu
muito na última eleição. "O clamor popular pela aprovação é muito forte.
Há um sentimento de impunidade muito forte e o governo não pode mais ficar
negligenciando a questão", afirma o deputado federal Major Olímpio
(PDT-SP), favorável à PEC. O clamor popular a que Olímpio se refere não é mera
figura de linguagem. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, de
2013, revelou que 92,7% dos brasileiros apoiam a redução da maioridade penal,
de 18 para 16 anos. Isso pode fazer da aprovação da PEC 171/93 uma chance para
o Congresso recuperar sua popularidade em queda.
Antes mesmo de a crise
política se instaurar em Brasília, a redução da maioridade penal já era
defendida, durante a campanha eleitoral, por 13 dos 27 senadores eleitos em
2014. Não são apenas parlamentares ligados a atividades policiais que apoiam a
medida, mas também a dupla que formou a chapa presidencial do PSDB no ano
passado, Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes Ferreira (SP). Em fevereiro de 2014,
uma PEC de autoria de Aloysio que também baixava a maioridade penal para 16
anos foi barrada na CCJ do Senado por uma união de parlamentares progressistas.
A bancada da bala também
conta com o apoio declarado de parlamentares evangélicos, como o deputado
Marcos Feliciano (PSC-SP) deixou claro na reunião da CCJ na última quarta-feira
18. Caso seja aprovada na comissão, a PEC segue para a Comissão de Segurança
Pública, dominada também pela bancada da bala, e depois é votada em dois turnos
no plenário da Câmara, onde precisa de três quintos dos votos (308 votos) dos
deputados. Depois, o texto segue para o Senado onde passa pelo mesmo rito
processual. "Se aprovarmos na CCJ, não tenho dúvidas de que a matéria será
rapidamente aprovada na comissão de Segurança e que sobrarão votos na votação
em plenário", prevê o Major Olímpio, otimista.
Cláusula pétrea
Diante da pressão
conservadora, órgãos oficiais e entidades de defesa dos direitos da criança e
adolescente pressionam para que a CCJ da Câmara decida que a redução da
maioridade é inconstitucional. O tema é polêmico e o debate, neste momento, é
essencialmente jurídico.
Os direitos fundamentais,
entre eles a inimputabilidade (não penalização) do menor, são considerados
cláusula pétrea da Constituição. Ou seja, não podem ser alterados, a menos que
se convoque uma Assembleia Constituinte. Por isso, para essas entidades
qualquer alteração seria inconstitucional. Por outro lado, quem é a favor da
redução defende que a inimputabilidade do menor é inalterável, mas a definição
da idade do menor, não.
"A mudança da idade
penal não é inconstitucional porque, no caso da redução da maioridade, não há
abolição de direitos, mas sim uma modificação de conceito de menor de
idade", afirma Adílson Dallari, especialista em Direito Político pela USP.
Para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, a proposta
é inconstitucional e, se aprovada, "poderá ser questionada ante o Supremo
Tribunal Federal, que, por sua vez, deverá declará-la inconstitucional".
Mais prisão significa menos
crime?
A interpretação jurídica de
Serrano, que é colunista de CartaCapital, é compartilhada com a
subprocuradora-geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge. Para ela, há
também uma má interpretação dos índices de violência cometidos por jovens.
"Há uma sensação social de descontrole que é irreal. Os menores que
cometem crimes violentos estão ou nas grandes periferias ou na rota do tráfico
de drogas e são vítimas dessa realidade", diz. Atualmente, roubos e
atividades relacionadas ao tráfico de drogas representam 38% e 27% dos atos infracionais,
respectivamente, de acordo com o levantamento da Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Crianças e do Adolescentes. Já os homicídios não
chegam a 1% dos crimes cometidos entre jovens de 16 e 18 anos. Segundo a
Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância da ONU, dos 21 milhões de
adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida.
Ao mesmo tempo, não há
comprovação de que a redução da maioridade penal contribua para a redução da
criminalidade. Do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos 20 anos,
apenas 3% foram realizados por adolescentes. O número é ainda menor em 2013,
quando apenas 0,5% dos homicídios foram causados por menores. Por outro lado,
são os jovens (de 15 a 29 anos) as maiores vítimas da violência. Em 2012, entre
os 56 mil homicídios em solo brasileiro, 30 mil eram jovens, em sua maioria
negros e pobres.
Por isso, para a
subprocuradora-geral da República, o remédio para essa situação não é a redução
da idade penal, mas o endurecimento da pena para adultos que corrompem menores
– como o Projeto de Lei 508/2015, do deputado Major Olímpio – e o investimento
em políticas sociais para os jovens.
O deputado Luiz Couto
(PT-PB), relator da PEC 171 na CCJ da Câmara, concorda. Em parecer contrário à
proposta, Couto citou estudos psicológicos que mostram que o amadurecimento
pleno se dá apenas aos 18 anos e disse que o problema reside em "um modelo
de segurança pública envelhecido e apodrecido que só investe na
repressão". Couto, ao lado da deputada Maria do Rosário (PT-RS), é a
principal voz do governo na Câmara para barrar o andamento do projeto.
Apesar do parecer negativo
na CCJ, nada indica que a proposta será rejeitada pela comissão. Se aprovada, a
PEC colocará o Brasil entre os 54 países que optaram por reduzir a maioridade
penal. Entre todos, os resultados foram unânimes: ao contrário do esperado, não
se registrou redução nas taxas violência. Como resultado, Espanha e Alemanha já
voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos, segundo a Unicef.
No entanto, países como os Estados Unidos seguem como exemplo do fracasso dessa
política. Com penas maiores e mais severas previstas aos jovens entre 12 e 18
anos, o país assiste seus jovens matarem uma em cada dez pessoas vítimas de
homicídios.
Por isso, entidades como a
Unicef, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério Público Federal
(MPF), a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da
Criança e Adolescente), o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República (SDH) já se manifestaram contrários ao projeto.
"Uma nova lei não é capaz de resolver um problema complexo como esse,
muito menos se for uma lei de caráter repressivo como é a PEC 171",
analisa Vitor Alencar, secretário executivo da Anced. "Estamos investindo
em repressão há 30 anos e o sentimento de impunidade e insegurança só
aumentou", completa.
No Congresso, há mais de 60
projetos semelhantes à PEC 171, todos com o objetivo de reduzir a maioridade
penal para 16, 14 ou até mesmo 12 anos. Por ser uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC), se aprovada pelo Congresso, a medida não pode ser
rejeitada pela presidência. No entanto, caso isso ocorra, entidades civis e o
governo federal estudam entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin) no Supremo Tribunal Federal defendendo a inconstitucionalidade da
proposta.
Crise do sistema
penitenciário
No modelo atual, de
maioridade fixada em 18 anos, os jovens infratores representam 8% do número
total da população carcerária adulta (715.655, incluindo as prisões
domiciliares) e padecem das mesmas mazelas que afeta o sistema prisional
adulto. A Fundação Casa, entidade responsável pelos menores infratores em São
Paulo, é exemplo do caos. Em maio, CartaCapital revelou com exclusividade que
um terço das unidades da Fundação Casa tem superlotação. A situação é tão
crítica que, em agosto passado, o Ministério Público denunciou o governo
Geraldo Alckmin (PSDB) e a Fundação Casa por conta da superlotação. Em
fevereiro deste ano, promotores de Justiça criticaram o fracasso de gestão do
governo de São Paulo no atendimento a menores infratores e publicaram carta
aberta intitulada "A falência da Fundação Casa".
Por conta de situações como
a de São Paulo, em vez de passarem por um processo socioeducativo de correção,
a esmagadora maioria dos menores infratores vive em reclusão e sem atividades
psicoeducativas para a reintegração social. À superlotação somam-se denúncias
de maus tratos, que resultam em uma reincidência de cerca de 43% dos menores
presos, de acordo com Conselho Nacional de Justiça. Para o coordenador do
Programa Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil, Mário Volpi, seria
necessário o Estado brasileiro pensar em alternativas viáveis para cuidar de
seus jovens. "Se prender não é uma medida eficaz para que o jovem não
volte a cometer infrações, resta pensar em soluções para que ele não entre no
mundo do crime", diz.
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