Por Rodrigo Vianna
A lista é impressionante:
Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria. Em menos de 15 anos, os quatro países se
transformaram em Estados zumbis. É algo muito grave, a indicar a direção para
onde aponta a política expansionista dos Estados Unidos no século XXI.
Com o fim da Guera Fria,
deixaram de ter qualquer anteparo para sua estratégia de fazer tombar todos os
governos que signifiquem ameaça ao controle do petróleo no Oriente Médio (ou em
outras partes do planeta).
Saddam Hussein (Iraque) não
era um santo. Todos sabemos. Muamar Gadafi (Líbia), tampouco. Os dois, ao lado
da família Assad na Síria, faziam parte de um movimento (o nacionalismo árabe)
a significar um grito de independência desses países – que, no passado, haviam
estado sob domínio turco ou europeu.
Outra característica unia os
três (e era a marca também do regime forte no Egito, comandado por Mubarak, que
tombou na tal “primavera árabe”): conduziam estados laicos, com um discurso
pautado mais pelo “orgulho nacional” do que pela religião. Eram países
comandados por regimes fortes, organizados, com projetos de nações
independentes. Apesar de longe, muito longe, de qualquer princípio democrático.
Em nome da democracia, os
Estados Unidos varreram do mapa esses governantes. A Líbia foi retalhada, já
não existe, debate-se em crise permanente com o confronto entre pelo menos 4
facções armadas. A Síria é um semi-estado, em que Assad resiste em Damasco, mas
vê o Estado Islâmico (EI), de um lado, e os “rebeldes” armados pelos
EUA/Europa, de outro, avançando sobre grandes porções do território. O Iraque é
agora um protetorado ocidental, sem qualquer margem para se organizar de forma
independente.
Vejo alguns analistas
“liberais”, na imprensa brasileira, dizendo que Washington “fracassou” porque
derrubou governos autoritários e, em vez de democracias, colheu o caos no
Oriente Médio. Coitados. Tão ingênuos esses norte-americanos.
Ora, ora. Pode haver algo
mais fácil de controlar do que populações desorganizadas, que se matam em
guerras sem fim, sem a proteção de nada parecido com um Estado organizado?
O projeto dos EUA era – e é
– o caos, a criação de uma grande franja que (do norte da África ao Tigre e
Eufrates, chegando às montanhas do Afeganistão) debate-se no caos. É o que
tenho chamado de “Estados zumbis”.
Mais recentemente, a
intervenção de Washington avançou para a Ucrânia. De novo, vejo quem lamente
que a intervenção não tenha levado a uma democracia ucraniana em estilo
ocidental. Como se o objetivo fosse esse…
Está claro que, também na
Ucrânia, o objetivo era criar um estado de caos e inoperância – que, de toda
forma, é melhor do que uma Ucrânia forte, unificada, pró-Russia (essa era a
ameaça antes da famosa rebelião fascista da Praça Maidan, insuflada pelos EUA, em
Kiev).
A diferença é que na Ucrânia
os norte-americanos encontraram resposta russa, que puxou para si a
Criméia e as regiões do leste ucraniano (onde a cultura dominante e a
língua são russas). “Ok, vocês podem criar o caos na sua Ucrânia; mas na nossa, não” – esse parece ter
sido o recado de Putin a Obama.
Evidentemente, a derrubada
dos governos em cada um desses países (do norte da África ao Afeganistão, da
Ucrânia ao Tigre/Eufrates) seguiu motivações e roteiros próprios. Mas todas
essas intervenções são parte de um mesmo movimento de afirmação da hegemonia
dos Estados Unidos.
O poder imperial, em
relativa crise econômica, se afirma pelas armas de forma impressionante, mundo
afora – e isso em apenas 15 anos.
Vivemos o período das
“operações especiais”, das guerras não-declaradas, das rebeliões movidas a
whatsapp e vendidas como “gritos pela democracia”.
O mundo se ajoelha ao poder
imperial. O nacionalismo árabe, que oferecia alguma resistência ao avanço dos
EUA e seus parceiros da OTAN, foi destroçado.
Outro pólo de oposição é o
que se desenha na Eurásia, com a parceria energética e logística entre russos e
chineses. Por isso, Putin está sob cerco econômico, e ali – mais à frente –
será jogada a partida decisiva no xadrez mundial.
Antes disso, no entanto, a
política de intervenção de Washington se move para a América do Sul. Honduras e
Paraguai foram ensaios, bem-sucedidos.
Venezuela, Argentina e
Brasil: aqui, agora, vemos avançar o projeto de criar novos Estados zumbis.
Depois do nacionalismo árabe, chegou a hora de destruir o nacionalismo
latino-americano. Não é por outro motivo que “bolivarianismo” virou o anátema,
o palavrão, o inimigo a ser derrotado – numa ofensiva que é política, econômica
e sobretudo midiática.
Claro que todos esses país
possuem problemas. Não quero dizer que todos os dilemas da América do Sul sejam
responsabilidade do Império do Norte. Não. Simplesmente, Washington aproveita
as contradições e fraquezas internas, em cada um desses países, para assoprar a
faísca do caos.
Aqui, no Brasil, a
intervenção não precisa ser diretamente militar. Basta atiçar setores sob
hegemonia da cultura (e da grana) dos Estados Unidos.
Num encontro social (em São
Paulo, claro), recentemente, ouvi a proposta pouco sutil: “bom mesmo é que o
Obama invadisse isso aqui, e acabasse com essa bagunça”. Esse é o projeto dos
paneleiros no Brasil. O fim da Nação, a anexação ao Império.
A próxima batalha – parece
– será travada na Venezuela.
Maduro fustigou os Estados
Unidos, mandando embora parte do pessoal da embaixada dos EUA em Caracas. Agora
Washington reage e declara a Venezuela uma ameaça à segurança dos Estados
Unidos (leia aqui).
A escalada verbal favorece
os setores mais duros do chavismo. Ameaça de intervenção do Império pode dar a
justificativa para um governo chavista mais forte, em que o poder já não
estaria com Maduro, mas com os militares chavistas. A burguesia que hoje bate
panelas em Caracas talvez tenha que seguir o caminho da elite cubana, em
direção a Miami. Mas haveria guerra civil. O caos. Uma Líbia, ou um Iraque, às
portas do Brasil.
Com um governo muito mais
moderado, o Brasil também vive em estado de pré-convulsão política. Reparem: é
o Estado (e não o “petismo”) que pode se desmanchar. Petrobras, políticas
sociais, a própria ideia de desenvolvimento. Tudo isso está em cheque. E não é
à toa.
Na Argentina, já se fala
abertamente no envolvimento de serviços de inteligência estrangeiros, na morte
do procurador Nisman – com o objetivo de desestabilizar Cristina Kirchner -
leia mais aqui, no texto de Paul Craig Roberts (sugestão do site O Empastelador).
No Brasil, vivemos uma
venezuelização de mão única: apenas um dos lados aposta no confronto total. Os
paneleiros querem sangue; o governo mantem a moderação verbal. Até quando?
O cenário é de um confronto
que ameça não o governo Dilma, mas a própria ideia de um Estado nacional com
projeto próprio.
A manifestação do dia 15 é
só um capítulo da guerra. A própria batalha do impeachment é parte de uma
guerra muito mais ampla.
Essa guerra será dura, e
pode durar muitos anos. O tempo da conciliação acabou.
Nos anos 80, quando se
falava na participação direta dos Estados Unidos na derrubada de TODOS os
governos do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile e Uruguai), ocorrida uma ou duas
décadas antes, certos liberais uspianos sorriam, e atribuíam a afirmação a
“teorias conspiratórias”; com a abertura dos arquivos em Washington,
conheceu-se a verdade.
Parece “teoria
conspiratória” que, depois de eliminar o nacionalismo árabe, os EUA preparem-se
para um ataque contra a América do Sul bolivariana?
Fonte: Portal Forum
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