O Ministério Público do Paraná
havia entrado com recurso contra um casal de homens que tinha adotado
uma criança. Órgão federal, no entanto, entendeu que a adoção não altera
o conceito de família e que pode ser praticada por pessoas do mesmo
sexo: “A Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre casais
heterossexuais e homoafetivos”, disse ministra
Enquanto na Câmara dos Deputados os parlamentares seguem com
perspectivas de aprovar o conservador Estatuto da Família, que exclui
qualquer possibilidade de se reconhecer um núcleo familiar que não seja
composto por um homem e uma mulher, o Supremo Tribunal Federal dá um
importante passo no reconhecimento dos direitos da população LGBT.
Nesta quinta-feira (19), a Corte, em decisão inédita, reconheceu o
direito de um casal composto por dois homens de adotar um filho. A
iniciativa foi da ministra Carmen Lúcia e se refere ao casal mineiro
Toni Reis e David Harrad, que haviam adotado uma criança em 2005, mas
estavam na iminência de perder a guarda, já que o Ministério Público
Estadual do Paraná entrou com recurso extraordinário contra a adoção.
Confira a íntegra da decisão do Supremo:
“A Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a
família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos.
Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos
heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação
homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia
interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não
emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da
própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial
praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser.
Assim como dá para inferir que, quanto maior o número dos espaços
doméstica e autonomamente estruturados, maior a possibilidade de efetiva
colaboração entre esses núcleos familiares, o Estado e a sociedade, na
perspectiva do cumprimento de conjugados deveres que são funções
essenciais à plenificação da cidadania, da dignidade da pessoa humana e
dos valores sociais do trabalho. Isso numa projeção exógena ou
extramuros domésticos, porque, endogenamente ou interna corporis, os
beneficiários imediatos dessa multiplicação de unidades familiares são
os seus originários formadores, parentes e agregados. Incluído nestas
duas últimas categorias dos parentes e agregados o contingente das
crianças, dos adolescentes e dos idosos. Também eles, crianças,
adolescentes e idosos, tanto mais protegidos quanto partícipes dessa
vida em comunhão que é, por natureza, a família. Sabido que lugar de
crianças e adolescentes não é propriamente o orfanato, menos ainda a
rua, a sarjeta, ou os guetos da prostituição infantil e do consumo de
entorpecentes e drogas afins. Tanto quanto o espaço de vida ideal para
os idosos não são os albergues ou asilos públicos, muito menos o relento
ou os bancos de jardim em que levas e levas de seres humanos
abandonados despejam suas últimas sobras de gente. Mas o comunitário
ambiente da própria família. Tudo conforme os expressos dizeres dos
artigos 227 e 229 da Constituição, este último alusivo às pessoas
idosas, e, aquele, pertinente às crianças e aos adolescentes.
Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de
família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a
Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o
conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele
mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico.
Quando o certo – data vênia de opinião divergente – é extrair do sistema
de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente
verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre
casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de
sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma
autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de
sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qualquer
outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da
visibilidade, continuidade e durabilidade.”
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