Nesta quinta feira passada,
ontem, a governadora do RN, Rosalba Ciarline, reuniu-se com prefeitos da região
seridó, parlamentares e outras personalidades políticas do estado para discutir
a criação da Universidade Federal do Seridó.
O debate sobre esse projeto
novamente vem à cena cercado por algumas polêmicas. O padre João Medeiros,
presente na ocasião, ressaltou a importância de que, caso a nova universidade
torne-se realidade, priorize cursos de acordo com as potencialidades da região
como: designe, Minério, Corte e Costura.
Não faz muito tempo que o
professor Antonio Neves publicou em seu blog um texto no qual ele questionava a razão pela qual o governo
estava priorizando a criação de mais uma universidade quando o ensino
fundamental e médio encontram-se, em muitas escolas da região, em situação
bastante difícil.
É fato que uma breve olhada
em escolas municipais e estaduais da nossa Caicó nos possibilita perceber que
ainda há muito a avançar, tanto em termos físicos, estruturais e
organizacionais.
Sem desconsiderar a
importância da criação de mais uma universidade para a nossa região, também
devemos indagar por que não ampliar o CERES de Caicó, que possui uma enorme
área vazia que poderia se transformar em novas salas de aulas e repartições
para criação de novos cursos.
A seguir, reproduziremos os recentes discursos
dos padres João Medeiros e do Professor Antonio Neves, por considerarmos
relevantes para reflexão sobre este fato.
PADRE JOÃO MEDEIROS
"É
preciso que tenhamos bem definidos o que nós pretendemos, em termos de
cursos, para que não haja redundância. Levei para o Seridó há 40 anos
ensino público, levei também para o Seridó o ensino privado e alguns
cursos não estão em consonância com a realidade da região. Ao se criar
uma universidade para o Seridó, nós devemos ter um espaço que reflita as
politicas particulares, governamentais e próprias do Seridó.
Até
o dia de hoje eu não conheço nenhum curso no Rio Grande do Norte
voltado para o Sal, a extração, a qualidade e a comercialização do sal.
Os gaúchos estão mais avançados do que nós, eles tem curso superior de
churrasco; na universidade de Caxias eles têm o curso de vinhos. Nós não
temos nenhum curso voltado para as nossas regiões. Talvez para Caicó
fosse necessário elencar uma série de cursos, para que, não só alavancar
o desenvolvimento do Seridó, mas que fosse capaz de sensibilizar os
técnicos do MEC.
Como é que nós vamos chegar em Brasília e
pedir um curso de Ciências Contábeis, se nós temos em todo lugar? As
freiras do Amor Divino estão fechando as faculdades porque oferecem
cursos que em qualquer lugar tem. Em Assu tem um curso de Ciências
Contábeis a 500 metros de distancia da UERN que oferece o mesmo curso
gratuitamente. Então é fundamental que ao elaborarmos tudo isso
coloquemos no papel tudo que pretendemos. Isso não vai entrar em rota de
colisão com as demais universidades do Estado. Nós queremos
uma universidade que tenha a autonomia da criação de cursos. Hoje eu
levo mais de quatro anos para ter o credenciamento de um curso de nível
superior e quando eu consigo as coisas já estão superadas. Se nós
pretendemos um curso de gastronomia para Caicó, que se faça
imediatamente. Daqui a pouco vem um gringo ou um chinês e vai dizer que o
queijo e a carne de sol de Caicó é da China e vai patentear. Nós
pretendemos cursos de gestão de Saúde e cada vez mais são coisas
delicadas. Nós queremos um curso que eu chamo de moda, de bordados.
O
bordado do Seridó é uma cópia fiel, uma herança de Bruges, na Bélgica.
Isso não tem um espaço universitário e acadêmico e é preciso que isso
seja aproveitado, porque daqui a pouco vem um cearense, apresentando um
bordado genérico do Ceará como se fosse um bordado de Caicó. Eu desafio
daqui a dez anos existir um seridoense que saiba o que é aluar, nós
temos uma culinária própria e o curso de gastronomia seridoense iria
preservar a nossa cultura, a mão de obra e valorizar a engenharia de
alimentos.
Estou mostrando pequenos exemplos que devem
enriquecer o nosso projeto pedagógico. Claro que o Estado vai colaborar
com toda a realidade infra-estrutural e assim por diante, mas os
prefeitos devem expressar os seus anseios técnicos. Eu levei para Caicó
há 40 anos dez cursos que não vigoraram porque eram cursos alienados
para a realidade do Seridó, e nós não queremos que se repita isso. Eu já
estou cansado de fundar tanta faculdade e ver fechada. Não convém
realmente abrir uma Universidade Federal para amanha ela fechar. É
preciso que na verdade nós delineemos toda essa parte técnica que na
verdade é mais importante para sensibilizar o MEC. Quem vai analisar
esse projeto são os técnicos do MEC, os políticos vão votar mediante um
parecer técnico e bem fundamentado”.
PROFESSOR ANTONIO NEVES
Em
nome de uma nova universidade para o Seridó; tradicionalistas repensam a região
de cima pra baixo
Debater a educação é sempre
uma oportunidade de trazer a tona seus problemas, desafios e possibilidades. No
Seridó e mais precisamente em Caicó, ai sim, é que o tema ganha contornos que
precisam ser considerados na hora de diferenciar o porquê de defendermos este
ou aquele modelo de educação, qual o melhor investimento e seus principais beneficiados.
O debate sobre a Universidade Federal do Seridó volta à
tona. Desta vez ganhou novos adeptos, com poder e influência capaz de acelerar
a implementação de tal projeto. Lembro que em 1998 certo vereador da esquerda
local levantou este mesmo debate; foi ignorado. Muitos dos que hoje assumem a
bandeira da necessidade de uma nova universidade para o Seridó, naquele momento
foram contra, alegando que já tínhamos uma universidade, - a UFRN (Campus do
Seridó) - e que o ideal seria investir para que a mesma ganhasse novos cursos e
investimentos. Agora fazem coro por outra universidade. O que será que mudou?
Sem sombra de dúvida,
precisamos cada vez mais melhorar as condições do Ensino Superior e dentro dele
proporcionar a toda uma geração, o acesso à cidadania e as oportunidades da
aquisição do conhecimento humano, científico e profissional. Mas a mesma
tradição que aponta para estes caminhos, diz também que, não se chega a uma
universidade sem antes, não trilhar, desde a infância, os bancos escolares do
ensino infantil e fundamental, porém, argumentos que reforçam os conceitos da tradição
cultural em nome da manutenção de um status quo educacional sem a preocupação de
enxergar a universalização da problemática de todo o sistema de ensino em
questão, que vai deste a insuficiência do Ensino Infantil/Fundamental até a
supervalorização do Ensino Superior, pode revelar o que esta tradição,
desarticulada com o resto do processo em voga, subtrai no seu contexto
histórico.
No âmbito dos interesses do
desenvolvimento local, afirmo, sem desviar-me do foco central do debate, que não
se pode resolver o problema do acesso e investimentos para o Ensino Superior, ignorando,
sistematicamente e socialmente, a crise por que passa o ensino infantil e
fundamental em nossa cidade e região.
A velha lógica da tradição
de poder no Brasil, por onde passa também as fórmulas mágicas e insuficientes
de investimentos para a construção dos sistemas educacionais brasileiros,
(infantil, fundamental, técnico-profissional e superior) sempre se mostra
contraditória na hora de enxergar velhos problemas acumulados nas órbitas destes
sistemas, quando procuram resolver questões de ponta (como a criação e
instalação de novas universidades), adotando uma leitura analítica de cima pra
baixo, como querem fazer agora com o debate levantado sobre uma nova universidade
para o Seridó. Primeiro construímos novas universidades, mesmo que
paralelamente o ensino infantil /fundamental público não esteja dando respostas
para pavimentar o acesso de jovens e adultos até essas universidades, onde quer
que elas estejam instaladas.
Não sou contra uma nova
universidade para o Seridó. Jamais! Mas suspeito que o rumo das prioridades esteja
invertido, o que só evidencia o distanciamento em que estão muitos dos que
fazem coro a este projeto, com a realidade por que passam 70% do sistema
educacional públicos vinculados ao Estado e aos Municípios na nossa região. É
como se não houvesse nenhuma associação entre os caminhos que se começa a
percorrer lá no ensino infantil/fundamental, com os que levam aos bancos de uma
universidade pública. Sob a lógica em discussão, o que se percebe é que, o
distanciamento entre uma ação e outra não permitem uma articulação entre si,
nem tão pouco geram a sinergia necessária para romper com o elitismo que
valoriza uma e o descaso que abandona a outra.
Que bom seria se esses
senhores e senhoras, homens e mulheres influentes da sociedade caicoense, que
estão imbuídos politicamente em trazer a Universidade para o Seridó,
dispensassem parte desta dedicação para procurar discutir e resolver coletivamente
o problema do Ensino Infantil e Fundamental públicos da nossa cidade. Oportunidades
não faltaram, nem haverá de faltar. Estes sistemas agonizam visivelmente, mas a
maioria prefere virar as costas para a situação, mesmo que os filhos do Seridó
e de Caicó, tão louvados nas falas proclamadas dos que defendem a nova
Universidade, vivam o dilema de ter que encarar todos os dias, o sucateamento da
escola pública local, que vai desde problemas, GRAVES, na sua infraestrutura,
passando por uma total falta de investimento e projetos pensados, planejados e
discutidos com toda a comunidade que favoreça a construção político-pedagógica de
mecanismos que eleve a qualidade do ensino básico, valorizando o cidadão como
sujeito que tem o direito de chegar ao Ensino Superior pelas vias mais
democráticas que movem uma escola pública e universal, sem que uma, por ser
básica, seja inferior a que está no topo do status quo do sistema de ensino
superior.
Talvez ai esteja a grande
contradição do discurso atual dos que adotaram a bandeira de uma nova
universidade para o Seridó, com sede em Caicó, quando ao mesmo tempo, ignoram,
sistematicamente, a situação calamitante da degradação do ensino
básico/fundamental das escolas públicas, principalmente as municipais e, com
isso promovem uma campanha de mão única, olhando apenas para um lado do campo
onde jogam com a tradição que, como sempre, pensa o Seridó pelas conveniências
de sua elite pensante, sempre de cima pra baixo.
Uma nova universidade para o
Seridó é tão importante quanto a necessidade de ter que dá melhor qualidade e
funcionalidade as escolas de nível básico/fundamental, que vivem uma crise genérica
e crescente de sustentabilidade, no entanto, os olhares da velha e tradicional
elite local, acostumada a enxergar apenas o que os interesses imediatos
sugerem, não permite (por N fatores) forçar, coletivamente e publicamente, o
verdadeiro debate que o ensino e a escola pública no nosso município precisa
fazer para sair do estado de decomposição que suas contradições apontam sem
conseguir desobstruir os caminhos que, no passado, eram trilhados pelos filhos
dos mais abastados em busca de vida melhor nos Campus de ensino das capitais, caminhos
estes, até hoje trilhados e sem volta, exatamente porque, ao vivo, a realidade
do ensino e da escola pública por aqui é bem pior do que revelam as boas
intenções das tradições.
FONTES PESQUISADAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário