Como se originam os
milagres? São resultados das intervenções divinas? Há espaços para milagres no
mundo onde a ciência se autoproclama como triunfante perante outras formas de
pensamento?
Frei Beto, nesse
interessante artigo que exporemos abaixo, nos convida a refletir sobre a
verdadeira origem dos milagres. Para isso, ele ilustra os seus argumentos com o
exemplo de Jesus, o modo como este buscava resgatar os seres humanos da
escuridão, o seu testemunho de vida.
Jesus nos ensina, através da
sua história de vida, que não é com espetáculos e nem com shows de ilusionismo
que se operam os milagres, mas, com a verdadeira fé em Deus.
Pra começar bem essa semana,
leiam e reflitam sobre o artigo de Frei Beto.
Você acredita em milagres?
Desde o surgimento da agricultura, quando o ser humano já
não dependia da fase coletora e extrativa, tenta-se domesticar a natureza,
impor-lhe limites, desviar o seu curso, exigir que ela siga, não suas leis
intrínsecas, e sim a nossa lógica voltada ao lucro.
Assim, represamos rios, reduzimos o ímpeto das marés,
quebramos a escuridão da noite, logramos fazer voar o que é mais pesado do que
ar.
A razão moderna desencantou o mundo. E a primeira vítima foi
o milagre que a ciência tenta expulsar do mundo e da mente humana.
A crença no milagre revela certa noção de Deus. Seria ele
como um encanador que, tendo cometido erros em sua obra, a todo momento precisa
correr aqui e ali para corrigir defeitos imprevistos? Ele livra da doença os
filhos preferidos e não os preteridos? Fica atento a quem mais emite súplicas e
premia a insistência com o milagre?
A razão moderna considera que só a ignorância enxerga
milagres na ordem natural das coisas. Milagre é quando se desconhecem as leis
da natureza, assim como é mágica o que provoca
e esconde o truque.
O que hoje é tido como milagre será desvendado amanhã pela
ciência, como faz o Fantástico em suas reportagens sobre a origem ordinária de
fatos extraordinários?
Há teólogos que restringem a ação divina ao ato da Criação.
Deus, ao criar, teria dotado a natureza de leis que, como o mecanismo do
relógio, funcionam sem que o relojoeiro precise interferir. Se ocorrem
imperfeições na Criação não é culpa de Deus. Há que buscar as causas na ação
humana sobre a natureza e na nossa ignorância, que percebe como defeito o que
para Deus seria mero e previsível efeito.
As Igrejas demonstram uma posição ambígua diante do milagre.
Umas admitem a onipotência divina, o poder de Deus em operar mudanças
substanciais no rumo natural das coisas e, ao mesmo tempo, miram com ceticismo
qualquer evento que, por seu caráter extraordinário, é tido como milagre.
As Igrejas neopentecostais emulam a fé dos fiéis através de
sucessivos milagres, em especial os que restabelecem a saúde. Já as Igrejas
históricas suspeitam da profusão de milagres. A ponto de o Vaticano, nos
processos de canonização, nomear um "advogado do diabo” incumbido de
desmoralizar fenômenos nos quais a fé identifica origem miraculosa.
Muitos procuram em Deus a capacidade de operar milagres. Um
Deus-mágico, capaz de tirar, de sua onipotente cartola, todo tipo de curas e
bênçãos. Um Deus disposto, a todo momento, a contrariar e mesmo subverter as
leis da natureza que ele mesmo criou. Um Deus criado à nossa imagem e
semelhança...
O que fez Moisés, naquele mundo politeísta, para convencer o
faraó de que Javé era um Deus especial, diferente dos demais? Apresentou-lhe
uma série de milagres. E ao se convencer de que o faraó se mantinha obstinadamente
apegado a seus deuses egípcios, então recorreu às sucessivas pragas.
O Deus-espetáculo é tão paradoxal quanto o Deus-utilitário.
Enquanto no dólar usamericano está impressa a inscrição "In God we trust” (Nós
confiamos em Deus), os soldados nazistas traziam inscrito na fivela do cinto:
"Gott mit uns!” (Deus está conosco).
E o Deus de Jesus, está com quem? Onde ele fica em tudo
isso? Jesus agia com discrição, pedia aos discípulos para não fazerem alarde
quanto à identidade dele, e ao curar não atribuía o mérito a si, e sim ao fiel:
"A tua fé te salvou”.
O verdadeiro milagre de Deus é a presença de Jesus entre
nós. Presença nada espetacular (nasce numa estrebaria e morre assassinado na
cruz) e incômoda (entra em choque com as autoridades religiosas e políticas).
Não era a ordem da natureza que lhe interessava mudar e sim o coração humano,
para impregná-lo de amor, compaixão e justiça.
Desconfio da fé que necessita da muleta dos milagres para se
sustentar. É a fé-bilhete de loteria: adquiro-a na expectativa de ser sorteado.
Em nada mudo minha atitude. Fico à espera de que Deus mude a dele...
É frequente encontrar quem tenha fé em Jesus. O raro é se
deparar com quem tenha a fé de Jesus, que o levou a se posicionar em defesa dos
oprimidos e excluídos em nome de um Deus amoroso e misericordioso.
A vida humana é, sem dúvida, o maior de todos os milagres.
Mas ele não nos causa impacto. Não cremos nele. Tanto que somos indiferentes a
tantas vidas ceifadas precocemente pela miséria e a violência.
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