sexta-feira, 29 de março de 2013

O sentido da Páscoa

  




CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID 
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro







Neste tempo radioso da Páscoa, vamos refletir sobre o sentido da maior festa litúrgica da Igreja. Para Israel a Páscoa era, inicialmente, uma festa pastoril, na qual ofertavam-se ao Senhor as primícias do rebanho. Os melhores animais eram sacrificados e aspergiam-se com seu sangue os portais das casas, relembrando a saída do Egito para a Terra Prometida. Naquela noite do Êxodo, Deus castigou os egípcios por não libertarem o povo eleito, enviando seu anjo para matar todos os primogênitos das famílias e dos animais (cf. Ex 12,1-42). Assim, o primeiro sentido da Páscoa é a proteção que Deus propicia àqueles que lhe pertencem.

Posteriormente, a Páscoa passou a ser uma festa agrária. Celebrava a oferta a Deus das primícias da agricultura: frutas e cereais, dentre estes a flor dos cereais, que é o trigo. O pão é o alimento primordial da humanidade. Na Páscoa, ofertava-se, então, o pão primicial. Era a festa dos pães novos. O rico e forte simbolismo do pão adquiriu um sentido especialíssimo no Novo Testamento, conforme nos ensina o Evangelho de São João (cf. Jo 6), do qual trataremos adiante.

Somente no templo se faziam as oferendas a Deus, anualmente. Os Evangelhos registram três viagens de Jesus a Jerusalém, por ocasião da Páscoa. No primeiro relato, Jesus aparece no templo aos doze anos, discutindo com os escribas e doutores da lei (cf. Lc 2,41-52). Donde lhe vem toda essa sabedoria? Somente se pode responder pelo reconhecimento da Sabedoria eterna, presente naquele jovem, que assumira a natureza humana para estar conosco.

Na segunda ocasião em que vai a Jerusalém, Jesus não se mostra publicamente, somente a pessoas particulares, porque os judeus tinham decidido matá-lo. Celebra a festa da Páscoa, mantém diálogo com os que lhe são fiéis e, à noite, recolhe-se junto a seus amigos. 

A terceira ida é a mais importante. Representa o termo da missão e da vida de Jesus, o ponto máximo aonde Ele queria chegar. Ele se refere a isto como um batismo: “Devo ser batizado num batismo; e quanto anseio até que ele se cumpra!” (Lc 12,50). Este momento é exatamente o da sua condenação, começando com a agonia no Horto de Getsêmani, continuando com o vexame do processo sumário conduzido por Pilatos, e concluindo com a Paixão, o caminho do Calvário, a Crucifixão e a Morte. Mas toda essa tragédia foi, afinal, iluminada pela gloriosa Ressurreição do Senhor.

 Voltando ao tema da festa pastoril, encontramos no Novo Testamento a analogia fundamental e definitiva entre o sangue de animais imolados marcando as casas, com o Sangue de Cristo, derramado por nós na cruz. Já não se assinalam os portais, mas cada pessoa é ungida com esse precioso Sangue. São Paulo chega a afirmar: “No Filho, pelo seu sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da sua graça que derramou profusamente sobre nós, em torrentes de sabedoria e de prudência” (Ef 1,7). A viagem final do Senhor a Jerusalém é o início do nosso caminho de Salvação.

A Páscoa de Jesus Cristo uniu a festa pastoril à festa do pão novo, dando-lhes pleno sentido. Surgem uma nova realidade de vida e um novo sustento para a humanidade, que transcendem a dimensão material, apontando para o Absoluto. Especialmente, no capítulo 6 do Evangelho de São João, Jesus fala da “Vida eterna” e do “Pão novo”: “Eu sou o Pão da Vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede. Quem comer deste Pão viverá eternamente. E o Pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6,35.51). Eis a promessa da Eucaristia. 

A manutenção desta “Vida nova” precisa do sustento que nos vem pelo Pão da Eucaristia e pelo Pão da Palavra, a doutrina da verdade, que desmascara toda ilusão, mentira e embuste. Precisa, também, da graça infundida em nós pelos demais Sacramentos. O cristão é alguém que não se acomoda ao que “já era”, simplesmente. Sua vida é um contínuo dinamismo, em busca de ideais, perspectivas e horizontes novos, porém, firmente alicerçados na “pedra angular”, que é o Senhor. 

Até nas Alianças que Deus fez com seu povo, encontramos esta novidade. As primeiras alianças precisavam ser constantemente renovadas, por causa da infidelidade de Israel. Foram quatro: com nossos primeiros pais, no paraíso; com Noé, simbolizada pelo arco-íris; com Abraão, prometendo-lhe uma descendência perene; com Moisés, entregando-lhe o Decálogo. 

Finalmente, Deus estabeleceu com a humanidade a Nova Aliança, definitiva e eterna, que não será jamais rompida, pois fundamenta-se no Sangue do próprio Filho, Jesus Cristo. Ele mesmo o atesta, na última Ceia com os 12 Apóstolos, quando institui a Eucaristia: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22,20).

Por isso, devemos estar bem conscientes da importância de comungarmos o Corpo e o Sangue do Senhor. São Paulo alerta: “Que cada um se examine a si mesmo, e assim coma desse Pão e beba desse Cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o Corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação” (1Cor 11,28-29).
Intimamente unidos ao Senhor pela Eucaristia, coloquemos todo o nosso empenho em nos conservarmos assim, repetindo em nossa prece diária: “Senhor, não permitais que eu me separe de Vós”. Como nos separamos? Por uma rejeição total do senhorio de Deus em nossa vida, dedicando-nos a coisas exclusivamente materiais e, não raro, opostas aos ideais do Evangelho, que levam a nos fecharmos ao amor e à justiça para com os irmãos e irmãs.

Agora que estamos no auge da Campanha da Fraternidade, reitero minhas exortações, publicadas em reflexões anteriores, sobre o apreço que devemos dar à vida. Comecemos pela nossa própria vida, através da prática da temperança e do equilíbrio, em relação às coisas que nos cercam. Preservemos nossa saúde e nossa paz interior, pois são dons maravilhosos de Deus para nós.

Defendamos o direito dos nascituros à vida, pois são seres humanos como nós, e não podem ser rebaixados à condição de meros doadores de células. Respeitemos a vida do próximo que, mesmo sem ser nosso irmão em Cristo, é imagem e semelhança de Deus. Cuidemos dos idosos, propiciando-lhes sair desta vida para a eternidade na paz de terem cumprido, integralmente, sua missão na terra. À semelhança das palavras de Jesus, possam dizer: “Nas tuas mãos, Senhor, entrego a minha vida”. 

Neste tempo pascal, com intensa alegria, celebremos a vida, que nos é dada pelo Criador e renovada pela Ressurreição de Cristo!

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