Com
o fim da obrigatoriedade da homologação das rescisões nos sindicatos para
contratos com duração superior a um ano – uma das mudanças da
"reforma" trabalhista do governo Temer, que vigora desde novembro
passado –, cresce o risco do trabalhador ser lesado e não ter os seus direitos
devidamente respeitados no momento da demissão.
Na categoria bancária, por
exemplo, antes da reforma, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e
Região realizava uma média de mil homologações por mês, com picos de até 1.500.
Já neste ano, a média caiu abaixo de 350 procedimentos mensais, o que não quer
dizer que o número de demissões tenha se reduzido, mas que os contratos estão
sendo encerrados muitas vezes dentro dos próprios bancos, longe da fiscalização
das entidades sindicais.
A nova lei desobriga que as
homologações sejam feitas nos sindicatos, mas também não especifica onde devem
ocorrer, o que abre brechas para todo tipo de absurdo. A pesquisadora do Centro
de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp Marilane
Teixeira relata que contratos têm sido encerrados via internet e, até mesmo, em
padarias. "Dessa maneira, quais as possibilidades do trabalhador ter todos
os seus direitos assegurados? Nenhuma."
Segundo levantamento do
Cesit, a maioria das demandas trabalhistas na Justiça decorre do descumprimento
reiterado dos direitos por parte dos empregadores. Dados consolidados de 2016
apontam que cerca de 60% das ações trabalhistas eram referentes a
irregularidades no momento da rescisão dos contratos. Boa parte dessas ações,
conta Marilane, se relacionava a eventuais erros ocorridos em contratos com
duração inferior a um ano, que já eram desobrigados a passarem pelos
sindicatos. Segundo ela, é uma prévia do que deverá ocorrer com os demais
trabalhadores.
Para a pesquisadora, é
justamente em contextos de mudança da legislação que os sindicatos teriam papel
importante a cumprir no monitoramento do cumprimento das novas regras. Mas as
alterações promovidas pelo governo Temer em associação com entidades patronais
também têm como objetivo afastar o trabalhador da sua entidade de classe.
"Uma das estratégias para o esvaziamento dos sindicatos, além da questão
do custeio, sem dúvida nenhuma foi a retirada desse papel de fiscalização no
momento da homologação. Todas essas distorções estão se reproduzindo em âmbito
nacional. As homologações despencaram."
Outro indício de abuso
cometido, segundo Marilane, são as demissões por acordo mútuo. Nessa
modalidade, que já soma mais de 10 mil rescisões, o trabalhador tem direito a
receber 80% do FGTS e metade da multa dos 40%. São, em sua maioria,
trabalhadores do setor de comércio e serviços, com baixa escolaridade e menor
nível de remuneração.
"Não dá para garantir,
mas é bem possível que uma boa parte dessas demissões por acordo, na verdade,
não sejam necessariamente acordos. Muitas vezes o trabalhador sequer sabe que
ele assinou um contrato do gênero. Só vai se dar conta disso quando perceber
que recebeu apenas metade da rescisão e não tem acesso ao
seguro-desemprego", explica. Se ocorresse nos sindicatos, o trabalhador
teria mais condições de ser devidamente informado sobre as cláusulas desse
acordo.
A questão fica ainda mais
complicada quando o trabalhador faz parte de uma categoria que goza de direitos
específicos que constam na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) do segmento. A
Constituição Federal garante que empresas com mais de 30 trabalhadoras devem
contar com creche no local de trabalho ou arcar com auxílio-creche. Para
algumas categorias, esse direito é garantido por meio do CCT, sem a necessidade
de um número mínimo de trabalhadoras.
"Se no momento da
homologação identifica-se que a empresa não garantiu o pagamento do
auxílio-creche durante um determinado período, evidentemente a primeira coisa é
acionar a empresa na Justiça para exigir esse direito. Por isso que é
importante que a rescisão se realize no âmbito do sindicato, são os
homologadores que conhecem o conteúdo da convenção coletiva e sabem identificar
exatamente se esses direitos estão sendo devidamente garantidos", destaca
a pesquisadora da Unicamp.
Perdas
e danos
A advogada responsável pelas
homologações no Sindicato dos Bancários, Alessandra da Silva, conta que, entre
os grandes bancos, o Itaú já não faz mais o procedimento no sindicato. A
estratégia desenvolvida para evitar que o trabalhador ficasse completamente desamparado
foi criar a pré e a pós-homologação.
"O bancário do Itaú é
convocado para a homologação na semana que vem, por exemplo. O que ele faz? Ele
vem ao sindicato, traz a carteira dele e os 12 últimos holerites. Fazemos uma
simulação dos direitos dele para que esse trabalhador não vá totalmente no
escuro. Quando ele chega no banco e os valores estão relativamente parecidos,
então está tudo certo. Tem alguma dúvida? A orientação é para que não faça a
homologação e procure novamente o sindicato", explica a advogada.
Já na pós-homologação o
sindicato faz a conferência dos valores relativos a direitos trabalhistas, como
férias e 13º proporcionais, FGTS e multa, se foram pagos adequadamente, bem
como o cumprimento de outros direitos previstos na Convenção Coletiva de
Trabalho (CCT). Foi na pós-homologação que ela constatou, por exemplo, três
casos idênticos em que faltava uma parte do 13º. O sindicato então encaminhou
ao Itaú a cobrança desses valores devidos.
"Segundo informações
que os próprios bancários nos trazem, há uma lista que o banco manda para a
portaria das pessoas que vão fazer a homologação num determinado dia. Se o
bancário for acompanhado de um advogado, por exemplo, esse advogado não
entra", destaca Alessandra.
Distorção mais grave ocorreu
com uma bancária do Santander. Não fosse o banco continuar a fazer as
homologações no sindicato, o erro poderia ter passado. O primeiro erro
constatado é que a trabalhadora gozava de estabilidade e, portanto, não poderia
ser demitida. O banco então se comprometeu a pagar cerca de R$ 22 mil reais de
indenização, mas queria descontar os tributos, outra irregularidade combatida
pelo sindicato. Não bastasse isso, o sindicato descobriu que, além da
estabilidade, a bancária, que cumpria horas-extras (sétima e oitava hora),
tenha outros R$ 140 mil a receber.
"Iam dar a ela uma
quitação de 22 mil reais, menos os impostos supostamente devidos. É reflexo da
reforma trabalhista. E se essa bancária não vem para cá? Hoje o Santander ainda
está aqui, então a gente conseguiu detectar. Se fosse no Itaú, não teria
como", relata a advogada do sindicato.
Revogar
é a palavra
Para o senador Paulo Paim
(PT-RS), a "reforma" desequilibra as relações de trabalho, pois
atende apenas aos interesses dos empregadores, e relega o trabalhador a uma
condição de "quase escravidão". Ele diz que o seu projeto, intitulado
Estatuto do Trabalhador, prevê a revogação de todos os dispositivos da
legislação trabalhista aprovada pelo governo Temer e traz novamente a
obrigatoriedade para que as homologações sejam feitas nos sindicatos.
"Quando não se garante
mais a presença do sindicato e dos seus advogados no acompanhamento das
rescisões, o trabalhador fica totalmente à mercê do empregador. Ainda mais com
a ameaça que existe de, se entrar na Justiça, ter que pagar parte do valor em
caso de derrota no processo. É um prato feito para a exploração, quase aos
moldes do trabalho escravo. O empregador não paga e ainda ameaça o trabalhador.
É quase uma mordaça, um ato de terrorismo e covardia", diz Paim.
Outra questão central,
segundo o senador, é garantir o financiamento dos sindicatos.
"Enfraqueceram totalmente os sindicatos, não querem que as entidades
tenham nenhum tipo de receita. Como é que uma entidade que as vezes cuida de
dezenas de milhares de trabalhadores vai se manter sem nenhum tipo de receita?",
questiona.
Outras situações criadas
pela atual legislação, como o trabalho intermitente, a possibilidade de
gestantes trabalharem em locais insalubres, além da cláusula que garante a
prevalência de acordos entre patrões e empregados que estejam aquém do que
manda a legislação (o chamado negociado sobre o legislado), também devem cair
com o novo Estatuto do Trabalho, cuja aprovação o parlamentar espera que
aconteça no próximo ano. Segundo ele, os pré-candidatos Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Manuela D'Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (Psol)
já se comprometeram a trabalhar em cima de um novo texto que regule as relações
de trabalho.
"É tão ruim essa
reforma que não se aproveita nada. A palavra é revogar, voltar para a CLT e, aí
sim, atualizar, fazendo com que dialogue com os novos tempos, conversando com
empregados e empregadores, para construir um texto com equilíbrio, com direitos
e deveres para as duas partes."
Nenhum comentário:
Postar um comentário